sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

2010…gotinhas que vão! 2011…gotinhas que vêm!



Olhamos para os quilómetros andados neste 2010 e damo-nos conta que temos muito que nos alegrar e louvar a Deus.
Em cada actividade, vamos descobrindo novas amizades e estreitando laços que nos fazem sentir como é grande a família do Carmo Jovem e rica a Ordem que nos acolhe. E dessa descoberta brotam muitas gotas de alegria!
Gotas de esperança, nos jovens que este ano ingressaram na Universidade e que, abertos a uma nova experiência, não deixam de nos acompanhar e espalhar a Gotinha onde quer que passam.
Gotas de novas vocações religiosas entre os jovens do Movimento: tivemos a alegria da profissão simples do Frei Ricardo de Santa Teresinha; a entrada da Raquel de S. João da Cruz no Postulantado do Carmelo de Coimbra; e a experiência de Postulantado do João Carlos.
Mas na Ordem, foram mais as gotinhas de vocações religiosas por quem louvamos a Deus: o Frei Danny que celebrou igualmente a sua profissão simples e ao Renato Miguel que também se encontra no 1.º ano de teologia na comunidade do Porto enquanto Postulante. Pode ser que apareçam em 2011 numa das nossas actividades…
Gotinhas de novas vidas: o nascimento e baptizado da Beatriz e do Dinis. Prometem muito!
Gotas de juventude, nos frades mais jovens da Ordem que nos presentearam com a sua presença nas nossas actividades, como o Frei Marco Caldas, o Frei João Rego e o Frei Daniel. Queremo-los mais vezes :)
E como sempre, tivemos ainda a presença dos frades a quem já não dispensamos nos acampakis e que nos vêm conceder a graça da reconciliação: o Pe Castro, o Pe. Maciel e o Pe. Avelino.
Gotinhas de união, entre a Maria João e o Zé, que ficaram noivos e celebrarão o sacramento do Matrimónio em 2011.
Gotas de saudades das gotinhas mais velhas. Umas que, no decurso da vida, constituíram família (e, ao que consta, nelas germinam futuros provinciais da Ordem…), outras que foram assumindo encargos profissionais mais absorventes. Mas todas elas vão acompanhando a Ordem noutros serviços e grupos, e vieram durante este ano visitar-nos e ajudar a carminhar as novas gerações. Contamos sempre com a presença das gotinhas mais velhas!
Gotas que vêm, de muitos lugares, Alhadas, Aveiro, Avessadas, Braga, Cantanhede, Caíde de Rei, Coimbra, Moinhos da Gândara, Paços de Gaiolo, Viana do Castelo, Vila Praia de Âncora, Rosém.
Gotas que neste ano, 2010, chegaram à 103118ª visita no Blog.
Gotas que vêm e carminham juntas. E como é bom carminharmos juntos!
Em 2011, vem tu também! Por que esperas? Por que tardas? Esperamos por ti em Caíde, Âncora, Avessadas, Paços de Gaiolo, Fátima, Viana, Madrid…
A Coordenação do Carmo Jovem



2011- Vem tu também!

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Teresa e os muitos caminhos, Beatriz e o Bispo!

- Crónica da XVI Carminhada.



No dia 11 de Dezembro, p.p., logo pela manhãzinha, a Igreja de Nossa Senhora do Carmo de Braga encheu-se de renovada alegria pela chegada de muitos jovens até ao seu seio.

Por volta das 9h começámos a reunir-nos cheios de alegria e vontade de carminhar. Os primeiros a chegar, com um grande sorriso nos lábios, foram os nossos amigos vianenses e âncorenses. Logo de seguida juntaram-se os da casa e os de Caíde de Rei, Lousada; já mais tarde, enquanto entoávamos cânticos fervorosos à nossa Mãe chegaram os amigos de Paços de Gaiolo e Avessadas (embora o condutor do autocarro se tenha esquecido deles, a Virgem fez com que chegassem até nós para juntos carminharmos!).
Uma vez todos reunidos demos início ao nosso carminho. Inicialmente, pedindo a bênção à Senhora, junto do seu manto, de seguida, com os pés a caminho e sempre com o lema “Quem vai por este caminho não vai sozinho, leva muita gente atrás de si” (S. Teresa), no pensamento. E assim, atrás do cajado, humildemente levado pelo Jorge, e da cruz, que o Pedro, seu irmão, transportava com muita determinação, ia uma multidão jovem com o coração aberto para partilhar emoções, até tão desejada chegada à capela de Nossa Senhora da Consolação do Monte.
Teresa carminhava connosco, ria connosco, rezava e cantava connosco. Alegrava-se connosco. Ela gosta sem dúvida dos jovens carmelitas. E por mais essa razão nenhum de nós carminhava sozinho!
Ao carminhar pelas ruas da cidade de Braga muitas foram os bracarenses, que, surpreendidos, nos abordavam, pois não sabiam para quê e para onde se deslocavam tantos jovens. Pudera!

A nossa primeira paragem técnica foi já sob o olhar atento de Nossa Senhora de Braga. Logo depois dum gole de água, de mãos dadas à volta da Virgem com o seu filho ao colo, entoámos um belo hino e uma pequena oração. E aos pés de tão bela Mãe desta linda Cidade terminámos a paragem com uma das orações mais significativas, o Pai nosso.
De regresso ao caminho passámos por outros belos locais, alguns bem característicos, que mereceram os nossos cânticos e a partilha das nossas conversas e confidências. A vontade de alcançar o fim do carminho era cada vez maior, pois sentíamos que não caminhávamos sós. Isso dava-nos outro alento para continuar e jamais pensar em desistir!

Já passava um pouco do meio-dia e o sol ia alto (sim, porque viveramos toda a semana com medo do boletim meteorológico e do tempo chuvoso, porém o dia sorria para nós!) quando o pároco de S. Tiago de Fraião, com um ar simpático e humilde nos recebeu no seu novo templo a cheira a fresco. Alegremente e de forma resumida falou da concretização de muitos anos de esforço e dedicação para obter o resultado final que, pelo olhar unânime de todos demonstrou ser muito positivo. Mas acima de tudo ficou marcado o amor transmitido a toda a sua gente.
A pausa maior foi feita à chegada do tão desejado Monte de Nossa Senhora da Consolação. À chegada tínhamos um espaço convidativo à nossa espera para um bem merecido repouso. Espalhados pelas mesas à volta da pequena capela que para nós se abriu, partilhamos o almoço assim como, também, a nossa bela amizade de uns para com os outros. Mas as partilhas não ficaram por aqui!... No final do nosso almoço, quisemos ainda brindar a nossa aniversariante do dia (a nossa Maria de Babo, que completou 16 aninhos!), com um modesto bolo de chocolate rodeado com 16 velinhas (e uma extra; ou não estivesse o Frei João por perto… - Desculpa, Maria!).
Para culminar este momento de partilha e sublimidade, os jovens que no último Horeb estiveram com nossa Mãe Santa Teresa de Jesus, ensinaram-nos uma canção, com direito a coreografia e tudo mais. Embora fosse uma canção simples e pequena, a sua letra dizia muito, vejam só:


“Sentei-me à sombra de quem desejava,
Oh que sombra tão celestial,
Oh que sombra… tão celestial!”
(Agora vão passando pelo blog, até que a Maria João post por lá a canção e a possam aprender!...)

E foi com o ânimo viril de Santa Teresa que descemos o Monte da Senhora da Consolação descendo, com ligeireza, a bela encosta do Bom Jesus até chegarmos por debaixo do manto da Mãe do Carmo, que nos aguardava cheia de ternura.
Pois bem, a chegada ao Carmo não demorou muito, e pouco depois das 16h estávamos prontos para dar início à nossa Eucaristia.
Estávamos no terceiro Domingo do Advento, e como tal acendia-se neste dia a terceira vela da coroa do Advento que ajuda a preparar o caminho do Senhor. Para o efeito, o Frei João convidou para acender a primeira vela a família Branco Pereira (Susana, Pedro e Beatriz), que nos alegrou com a sua presença amiga; de seguida, a segunda foi acendida pela mãe da Betinha (uma das jovens carmelitas presentes na carminhada); e por último, para a terceira, convidou um inesperado velhinho amigo seu mas desconhecido para nós, que rapidamente se nos tornou muito familiar: ou seja, tínhamos perante nós e no meio de nós a discreta presença do senhor D. Abílio Ribas, Bispo emérito de S. Tomé e Príncipe. Ele, bispo e membro da Igreja como nós, acendeu-nos a terceira vela do Advento. Que feliz coincidência, digam lá! É verdade. O senhor Bispo estava de passagem pela Igreja do Carmo, onde parara para rezar o Rosário antes de partir na camioneta para S. Bento da Porta Aberta, onde, ali, voluntariamente, todos os Domingos confessa os peregrinos, que por lá passam.
Ó que bênção para nós! O Carmo Jovem já teve direito a Bispo!

Logo depois, de cajado na mão, e com a faixa do Movimento, o senhor D. Abílio contou-nos emocionadamente a sua experiência de vida, a sua passagem como missionário por Moçambique, a forma como chegou a Bispo de S. Tomé e tudo o que trabalhou pela população para que se sentisse livre e em paz, feliz e independente. Uma verdadeira longa lição de vida que nos deixou sem palavras, e que tocou fundo a alguns de nós, especialmente uma sãotomense e a uma voluntária portuguesa que há pouco ali trabalhara…

Como o tempo urgia deixou-mos uma valorosa mensagem de força a todos nós, jovens, e seguiu viagem, e nós seguimos a Eucaristia, com um grande momento de união e sob o olhar atento da Virgem Mãe do Carmo e de Teresa.

Antes de terminar a celebração foi-nos entregue uma peça de um puzzle como lembrança da XVI Carminhada, em Braga. Esta peça, embora tão pequenina tem um grande significado, pois um puzzle completo com a nossa pequena gotinha ficou dividido em muitas partes, cada uma delas somos nós! E o puzzle só voltará a estar completo quando todos estivermos juntos, novamente!

Por fim, a bênção final foi dada pelo nosso Frei João, mas não sozinho… pois quem vai por este carminho não vai sozinho. E foi assim que ele ergueu bem erguidas as suas mãos e nelas a nossa mascote, a pequena Beatriz, que, infante e sorridente o ajudou a abençoar-nos a todos em nome de Deus! Ó que belas e inesperadas são as lembranças do Frei João!
No final, como vem sendo hábito, tirámos a mítica foto de família e fizemos a já característica entrega do cajado, desta feita aos nossos amigos âncorenses que no próximo ano serão os anfitriões da próxima carminhada do Carmo Jovem.
A despedida não foi muito demorada, uma vez que a muitos ainda lhes esperava umas horinhas de carminho sob carris. E como se sabe os carris não esperam; ou esperam, mas não espera o que rola sobre eles. Adeus, amigos!
Assim, num santiamén, terminou a XVI Carminhada. Cada um regressou ao seu lar, mas com a certeza de que não estamos sós, que jamais caminhamos sós, que é impossível ser-se de Teresa e caminhar-se só, que temos uma multidão de amigos cheios de alegria no coração.
Como é bom sermos pequenas gotinhas!


Betinha e Luis, Braga







quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Ao som das caçarolas: PONHAMOS OS OLHOS EM CRISTO


PONHAMOS OS OLHOS EM CRISTO
 
Ponhamos os olhos em Cristo
E aprenderemos a verdadeira humildade.
 

Ponhamos os olhos em Cristo
E aprenderemos a verdadeira humildade.

S. Teresa (1Moradas 2, 11)

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Santa Teresa de Jesus - Cap.10

X

UM DIA VIVIDO NO CARMELO DE S. JOSÉ
Portugal produziu, entre outras, duas obras-primas: o Brasil, com 61 milhões de habitantes, do outro lado do Atlântico, país com enormes possibilidades económicas, fadado a altaneiros destinos, e os “Lusíadas”, história sagrada dos feitos gloriosos dos portugueses. “Duas obras-primas deixou, também, o génio de Santa Teresa: o Castelo Interior e a carmelita que vive como ela viveu. Por mais fidalga que ela seja, vivendo da oração, da contemplação, no trabalho, no jejum, na pureza, na mortificação, na pobreza, na alegria sorridente e calma das almas angélicas, a carmelita é também uma obra-prima de Teresa”.


A vida da freira descalça na Ordem fundada por Santa Teresa, enclausurada entre altos muros e grandes cercas no mosteiro... é a coisa mais simples. Todo e qualquer Carmelo Teresiano é, na verdade, a casa de Deus por excelência, e uma porta para o Céu, pela prática constante da oração e da meditação e pela vida de silêncio que é, como disse alguém, a atmosfera das almas grandes. Asilo de paz, como há poucos na Santa Igreja. A oração e o sacrifício, são os dois pontos fundamentais da vida carmelita descalça, consoante o espírito da Santa Reformadora.


*

Como me vi mulher ruim e impossibilitada de trabalhar como eu quisera – escreve Santa Teresa – no serviço do Senhor, toda a minha ânsia era, e ainda é, pois Ele tem tantos inimigos e tão poucos amigos, que estes fossem bons. Determinei-me, pois, fazer este pouquito que está em minha mão: seguir os conselhos evangélicos com toda a perfeição que eu pudesse e procurar que estas poucas que aqui estão fizessem o mesmo. Punha a minha confiança na grande bondade de Deus que nunca falta em ajudar a quem por Ele se determina a deixar tudo; e que, sendo elas tais quais eu as imaginava em meus desejos, entre as suas virtudes não teriam força as minhas faltas, e poderia assim contentar nalguma coisa o Senhor, e que todas, ocupadas em oração pelos defensores da Igreja e pregadores e letrados que a defendem, ajudássemos, no que pudéssemos, a este Senhor meu, que tão atribulado O trazem aqueles a quem fez tanto bem. Dir-se-ia que estes traidores O querem agora de novo pregar na cruz, e que não tivesse onde reclinar a cabeça... Ó irmãs minhas em Cristo! – continua a Madre Teresa – ajudai-me a suplicar isto ao Senhor, que para isto vos juntou Ele aqui. Esta é a vossa vocação; estes hão-de ser os vossos negócios; estes hão-de ser os vossos desejos; aqui as vossas lágrimas; estas as vossas petições.


Conhecido o espírito e finalidade do convento de S. José, convém saber qual seja o novo teor de vida implantado pela Madre Teresa nos seus Carmelos. O ilustre P. Crisógono de Jesus, O. C. D., o mais moderno dos biógrafos da Santa, descreve assim a vida das Descalças: Ás 5 horas precisas, ouve-se uma campainha que enche com os seus sons os corredores silenciosos do Carmelo. É um convite para a oração. Abrem-se suavemente as portas das celas e começam a sair as monjas, que desaparecem como sombras no claustro alumiado por uma luz mortiça. Entram no coro e vão ajoelhar ao pé da grande grade de ferro que deita para a capela. Feita a invocação ao Divino Espírito Santo, uma das freiras faz a leitura dum breve ponto de meditação e, seguidamente, as religiosas conservam-se em silêncio durante uma hora.


A Comunidade está em oração... Pensam em Deus, nos mistérios de Cristo, Senhor Nosso, nas misérias da vida humana... E oram; oram as Carmelitas pela Santa Igreja, pelos sacerdotes, pelos luteranos que avançam na Alemanha, França e Flandres, ameaçando penetrar também na Espanha.


A Madre Teresa lembra-lhes com insistência que há-de ser este o objecto e finalidade das suas preces. Foi para isto – diz-lhes – que Deus nos colocou no Carmelo. Finda a oração, reza-se parte do Breviário.


As vozes melífluas das Descalças reboam, como vozes de anjos, pelos âmbitos da pequena igreja conventual e deixam-se ouvir também, às vezes, como eco do Céu, pelas ruas solitárias e silenciosas. Seguem-se depois a Santa Missa, a Sagrada Comunhão, arrumação de celas, trabalhos manuais nas diferentes oficinas do mosteiro.


Momentos há, durante o dia, em que a faina das freiras transforma o Carmelo numa colmeia humana; trabalham as Carmelitas como laboriosas abelhas, mas em silêncio... Mãos à obra, coração em Deus.


No refeitório, sobre o lugar que ocupa a Madre, ergue-se na parede uma grande cruz de pau e, sobre a mesa, uma caveira humana... Mesitas toscas, sem nenhum polimento, jarras e tijelas de barro, talheres de madeira: eis todo o apetrecho da sala de jantar. E aqui se juntam as filhas espirituais de Santa Teresa para comerem algumas ervas e hortaliças que apanham na horta, preparadas com quatro gotas de azeite.
 
Nos dias festivos a Regra permite melhorar a refeição: um ovo para cada religiosa. Por vezes é a própria Reformadora que os prepara na frigideira. Algumas vezes já foi surpreendida, em êxtase, com a frigideira na mão, toda cheia de caridade.


– “Não sabíeis que também entre as panelas da cozinha anda o Senhor?” – diz sorridente ao sair do êxtase.


E lá vão vivendo as Descalças de S. José na pobreza, na abstinência, no jejum, que se prolonga por seis meses, desde 14 de Setembro até à Páscoa. Depois da frugal refeição, dirigem-se as freiras, rezando salmos e preces, para o jardim, quando o tempo o permite, ou para uma sala de recreio, na estação do frio e das chuvas. Começa então a hora de recreio para a Comunidade. A Santa Reformadora liga a este ponto da Regra tanta importância como aos mais santos exercícios da vida conventual. É que não pode, de forma alguma, manter-se sempre tenso o arco sem partir e o espírito precisa de espairecer, de expandir-se, se quer conservar-se dentro dum plano de vida austera. E como se tornam agradáveis às religiosas estes momentos de lazer no Carmelo de S. José! Fala-se, canta-se, trabalha-se e todas riem e folgam.


As monjas, sentadas no chão, fiam ou fazem trabalhos de bordado, preparam escapulários, compõem e passam a ferro as toalhas do altar, ou pintam alguma cortininha para o Sacrário. A Madre Teresa, no meio delas, conversa afavelmente e gosta de brincar, animando o recreio com chalaças de bom gosto, enquanto as mãos, pequenas e lindas, como de fada, fiam, costuram ou bordam.


Aos domingos e dias santos não se trabalha durante o recreio; as Descalças cantam versos e sentidas estrofes compostas pela Madre Teresa. Então, na quadra do Natal, fazem as Descalças Carmelitas autêntica algazarra, dançando em volta do Presépio armado na sala de recreio. Esta toca castanholas, aquela tamboril, aqueloutra algum instrumento de música diferente dos anteriores, e não faltam algumas, das mais espertas e desembaraçadas, que alegram a Comunidade representando o papel de cantador e cantadora de Belém, com seus versos e ditos jocosos, mas sempre cheios de sentido espiritual.


Há, nas horas de recreio, algumas cenas tipicamente alegres, iniciadas e animadas pela Santa Reformadora.


Um dia, as freirinhas de S. José sentem-se incomodadas por uns bichinhos importunos, que aparecem entre as costuras das túnicas de lã que usam as Descalças. A Madre Teresa entende que se deve pedir a Deus que livre as suas filhas duma peste destas e assim promove no Carmelo uma procissão de rogativa ao Santo Crucifixo que se venera no coro. As freiras incorporam-se no cortejo, não a rezar as ladainhas dos Santos, mas cantando uns versos que a Reformadora compôs para esta ocasião. Organiza-se a tal procissão de penitência, ao cair da tarde dum lindo dia de sol, quando a luz crepuscular já não é capaz de alumiar os corredores estreitos de tecto baixo e soalho de tijolo do mosteiro. Dirigem-se as Descalças para o coro, em duas fileiras, sob a presidência da Santa Madre, que vai na retaguarda do cortejo, impetrando ardentemente ao Senhor que lhes conceda a graça. As monjas cantam, revezando-se com a Madre, diversas estrofes, das quais copiámos uma apenas, na língua em que foi composta:

Todas: Pues nos dais vestido nuevo,
Rey celestial,
librad de la mala gente
este sayal.

Todas: Hijas, pues tomais la cruz,
tened valor,
y a Jesus, que es nuestra luz
pedid favor;
El os será defensor
en trance tal.


Madre: Librad de la mala gente
este sayal.



E a verdade é que se realizou o milagre. As Descalças de S. José nunca mais se sentiram mortificadas por hóspedes tão importunos, e desde aquele dia, é denominado aquele crucifixo do coro o Santo Crucifixo dos piolhos.


Com que fervor voltam as Carmelitas aos seus costumados exercícios de piedade e penitência depois destes momentos de espairecimento espiritual! A santa alegria, característica das filhas de Santa Teresa, perdura-lhes na alma através de todas as práticas da vida monástica. E, assim, a Santa Reformadora consegue imprimir à sua espiritualidade esse carácter jovial tão típico de tudo o que é teresiano, afugentando das suas casas essa santidade melancólica, acanhada, sombria e encapotada, que a Santa Madre aborrece como uma terrível enfermidade espiritual. Por isso, no Carmelo reformado, tudo vai envolto num ar de simplicidade e alegria: as penitências, o serviço do coro, os trabalhos manuais...


São 15 horas; rezadas as Vésperas pela comunidade, reina silêncio absoluto no convento de S. José. Nem ruído do abrir e fechar de portas, nem passos de monjas, nem, ao menos, o doce eco da recitação de salmos no coro. É que cada carmelita está agora recolhida na cela, entregue ao seu labor.


Sentada modestamente no chão, sobre o duro leito, ou ainda num tapete de cortiça, para se preservar da humidade, trabalha com casta ilusão de esposa, postos os olhos no Divino Esposo. Enquanto as mãos fiam, bordam ou fazem as alparcatas de cânhamo para uso das irmãs, o seu pensamento, como mariposa, vai adejando de flor em flor, ou passa progressivamente por todas as moradas do místico Castelo Interior à procura do Bem-amado...


O dia vai já declinando e o relógio do Carmelo marca 17 horas. As Carmelitas vão rezar Completas, seguindo-se uma pequena refeição ou ceia em volta da cruz de pau e da caveira humana; alguns legumes ou um pouco de verdura, pão e um pouco de água na tigela de barro.


Das 20 às 21 horas faz a Comunidade a sua meditação perante o Santíssimo Sacramento, terminando com a recitação lenta e fervorosa de Matinas. Depois, exame de consciência, disciplina e últimas preces aos Santos da Ordem.


Finalmente, recolhem as Descalças às celas, esperando, enquanto fazem as suas devoções particulares, pelo sinal de deitar que não deixa de ser impressionante. Às 23 horas ouvem-se nove toques compassados, que uma das freiras produz, numa espécie de matraca, ajoelhada no meio do dormitório das religiosas. Nisto saem todas as irmãs à porta da sua cela, onde caem de joelhos. Erguendo então a sua voz diz a freira da matraca uma máxima ou sentença espiritual, profunda, sobre a morte, a eternidade, a excelência duma virtude, etc., a exemplo da que segue:


Num sepulcro profundo


Morrem as glórias do mundo.


E enquanto o sentido deste aviso de Deus penetra fundo na inteligência e no coração das religiosas, a Madre Teresa vai passando junto a cada uma das freiras lançando-lhes a bênção. Agora, com a bênção da Superiora, já podem deitar-se as Descalças sobre o duro leito de tábuas. Volvidos mais 15 ou 20 minutos, tudo dorme no mosteiro de S. José, até que, ao dealbar, soe de novo a campainha chamando à oração.


[Jaime Gil Diez, Santa Teresa, Edições Carmelo]



domingo, 26 de dezembro de 2010

DOMINGO dentro da Oitava do Natal

Depois de os Magos partirem, o Anjo do Senhor apareceu em sonhos a José e disse-lhe: «Levanta-te, toma o Menino e sua Mãe e foge para o Egipto e fica lá até que eu te diga, pois Herodes vai procurar o Menino para O matar». José levantou-se de noite, tomou o Menino e sua Mãe e partiu para o Egipto e ficou lá até à morte de Herodes. Assim se cumpriu o que o Senhor anunciara pelo Profeta: «Do Egipto chamei o meu filho». Quando Herodes morreu, o Anjo apareceu em sonhos a José, no Egipto, e disse-lhe: «Levanta-te, toma o Menino e sua Mãe e vai para a terra de Israel, pois aqueles que atentavam contra a vida do Menino já morreram». José levantou-se, tomou o Menino e sua Mãe e voltou para a terra de Israel. Mas, quando ouviu dizer que Arquelau reinava na Judeia, em lugar de seu pai, Herodes, teve receio de ir para lá. E, avisado em sonhos, retirou-se para a região da Galileia e foi morar numa cidade chamada Nazaré. Assim se cumpriu o que fora anunciado pelos Profetas: «Há-de chamar-Se Nazareno». [Mt 2, 13-15.19-23]

sábado, 25 de dezembro de 2010

Boas Festas

Natal

Naqueles dias, saiu um decreto de César Augusto, para ser recenseada toda a terra. Este primeiro recenseamento efectuou-se quando Quirino era governador da Síria. Todos se foram recensear, cada um à sua cidade. José subiu também da Galileia, da cidade de Nazaré, à Judeia, à cidade de David, chamada Belém, por ser da casa e da descendência de David, a fim de se recensear com Maria, sua esposa, que estava para ser mãe. Enquanto ali se encontravam, chegou o dia de ela dar à luz e teve o seu Filho primogénito. Envolveu-O em panos e deitou-O numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria. Havia naquela região uns pastores que viviam nos campos e guardavam de noite os rebanhos. O Anjo do Senhor aproximou-se deles e a glória do Senhor cercou-os de luz; e eles tiveram grande medo. Disse-lhes o Anjo: «Não temais, porque vos anuncio uma grande alegria para todo o povo: nasceu-vos hoje, na cidade de David, um Salvador, que é Cristo Senhor. Isto vos servirá de sinal: encontrareis um Menino recém-nascido, envolto em panos e deitado numa manjedoura». Imediatamente juntou-se ao Anjo uma multidão do exército celeste, que louvava a Deus, dizendo: «Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados». [Lc 2, 1-14]

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Ao som das caçarolas: JESUS, LIVRO VERDADEIRO


JESUS, LIVRO VERDADEIRO


O Senhor é livro verdadeiro

Onde se vêem as verdades.

S. Teresa (Vida 26, 5)

sábado, 18 de dezembro de 2010

DOMINGO IV DO ADVENTO


O nascimento de Jesus deu-se do seguinte modo: Maria, sua Mãe, noiva de José, antes de terem vivido em comum, encontrara-se grávida por virtude do Espírito Santo. Mas José, seu esposo, que era justo e não queria difamá-la, resolveu repudiá-la em segredo. Tinha ele assim pensado, quando lhe apareceu num sonho o Anjo do Senhor, que lhe disse: «José, filho de David, não temas receber Maria, tua esposa, pois o que nela se gerou é fruto do Espírito Santo. Ela dará à luz um Filho e tu pôr-Lhe-ás o nome de Jesus, porque Ele salvará o povo dos seus pecados». Tudo isto aconteceu para se cumprir o que o Senhor anunciara por meio do Profeta, que diz: «A Virgem conceberá e dará à luz um Filho, que será chamado ‘Emanuel’, que quer dizer ‘Deus connosco’». Quando despertou do sono, José fez como o Anjo do Senhor lhe ordenara e recebeu sua esposa. [Mt 1, 18-24]

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Santa Teresa de Jesus - Cap.9

IX



NO CONVENTO DE S. JOSÉ


A ideia de chegar um dia a observar, em todo o seu rigor, a Regra primitiva da Ordem Carmelita – na Encarnação guardava-se a Regra com a mitigação introduzida por Eugénio IV, em 1432 –, fulgia como uma luz desde longa data, no espírito de D. Teresa de Ahumada, porque o seu carácter decisivo e enérgico, mais que de mulher, mal se adaptava a um plano de perfeição comodista; a forma prática, porém, de o realizar, essa foi o resultado duma conversa providencial havida entre algumas religiosas e D. Teresa.


Um dia, D. Maria Baptista, sua sobrinha, abrindo-se numa roda de amigas reunidas no quarto de Santa Teresa no mosteiro da Encarnação, começou a discorrer sobre coisas espirituais, recaindo a conversa nas vidas dos Santos do deserto.


– Isso vai além das nossas forças – disseram algumas freiras. – Mas se se fundasse um conventinho com poucas religiosas, de certo que lá iríamos algumas de nós fazer penitência.


– Não seria melhor – replicou D. Teresa de Ahumada –, mais agradável a Deus, tratar cada uma de se reformar e observar a Regra primitiva da Ordem a que Deus nos chamou, com as suas longas horas de oração, com as suas austeridades, com a sua clausura?


– Oh! Madre – acudiu a sobrinha da Santa –, mande construir um convento assim e desde já ponho para essa obra ao vosso dispor os meus haveres.


Nisto ia a conversa quando chegou D. Guiomar de Ulloa, senhora fidalga de intensa vida interior, que se consagrara toda a Deus e às coisas do seu serviço, desde que enviuvara. Contara D. Teresa a esta sua amiga o que andavam planeando suas parentes e D. Guiomar, toda entusiasmada, disse-lhe:


– Desde já pode vossa mercê contar comigo para uma obra destas.


A partir deste dia, D. Teresa começou a pensar a sério na fundação do tal convento reformado. Antes, porém, de falar no assunto ao seu confessor, quis consultar um grande teólogo da Ordem de S. Domingos, o P. Frei Pedro Ibañez, que morava no convento de S. Tomás daquela cidade, porque, dizia a Madre Teresa, não queria ir contra a Sagrada Escritura em coisa alguma. E, assim, um dia, resolveu-se a bater à porta do mosteiro dominicano, em companhia de D. Guiomar, à procura de Frei Pedro. As fundadoras, verdadeiras amigas de Nosso Senhor, não queriam enganar-se em assunto tão grave e buscavam luz, queriam saber com toda a certeza se seria do agrado de Deus a fundação dum mosteiro de Carmelitas Descalças. É isto o que as leva ao Colégio de S. Tomás, sito extramuros, no vale Amblés, entre árvores, plátanos e fontes de água cristalina.


Por sorte, o religioso procurado está na residência e logo lhes aparece, prontificando-se a atendê-las. Enxuto de carnes, de olhar penetrante, doutrina segura e palavras precisas, Frei Pedro recebe com extremos de gentileza a visita da Madre Teresa e de D. Guiomar, tornando-se ciente das suas ideias e projectos tendentes à maior glória de Deus. Esta senhora assegura-lhe que nada faltará às religiosas, porque suas rendas passarão a ser património do novo convento, enquanto D. Teresa, por sua vez, salienta o espírito e finalidade da Reforma Carmelita. Convém notar aqui que, volvidos alguns anos, alcançou a Santa Fundadora, animada por S. Pedro de Alcântara, um Breve de Roma autorizando o dito convento de Descalças a viver de esmolas, sem quaisquer rendas. Frei Pedro ouve com atenção a longa e pormenorizada exposição de motivos feita pelas visitantes e responde com desembaraço e segurança às suas perguntas. Não condena logo, à primeira vista, o projecto da fundação, como já tinham feito outros eclesiásticos. As intenções não podem ser melhores, o ideal magnífico, os planos orientados todos para o aumento da glória de Deus, mas, homem prudente, não quer dar já uma resposta definitiva e pede às fundadoras oito dias para se pronunciar sobre assunto de tanta importância.


Passam esses dias, que lhes parecem séculos, e lá vão ter com Frei Pedro D. Teresa e D. Guiomar. Da resposta deste ilustre teólogo dependerá a atitude a tomar pelas fundadoras. Durante estes dias oraram muito pondo a almejada fundação nas mãos de Deus, cuja vontade desejam conhecer e realizar. E este insigne homem de ciência, exímio na Teologia e enfronhado no conhecimento das Sagradas Escrituras, não só aprova de bom grado e em absoluto os planos e projectos da Reforma Carmelita, como também se torna ainda seu destemido defensor, dizendo às senhoras:


Se alguém for contrário a esta iniciativa, venham cá; eu próprio o hei-de convencer.


Quando a Madre Teresa saiu do Colégio de S. Tomás ia radiante de alegria; parecia que lhe tinham tirado um grande pesadelo. As palavras laudatórias do frade dominicano serão para as fundadoras um raio de luz e uma esperança fagueira no meio das nuvens negras da tremenda e terrível tormenta que vai desabar sobre o projecto do novo convento das Descalças. Agora já não pensa a Madre Teresa senão em obter as devidas licenças. Começa pelo seu confessor, um jesuíta, tão santo como meticuloso, que agora concorda para discordar depois. Fala com o seu Provincial, P. Gregório Fernandez, que primeiro louva, abençoa e admite a fundação, e à última hora recua, recusando-se a admiti-la. Dirige-se também ao sr. bispo de Ávila, D. Álvaro de Mendoza, que lhe era muito dedicado, desde que um dia, a instâncias de S. Pedro de Alcântara, foi visitá-la na Encarnação, mas o Prelado, todo entusiasmado ao princípio, mostra-se hesitante nas vésperas da inauguração do convento, não sabendo para onde se virar.


O Geral da Ordem, Frei Nicolau Audet, esse, sim, esteve sempre do lado da Madre Teresa, pois ninguém mais do que ele desejava a Reforma dos frades e das freiras da Ordem. E não admira que assim fosse, pois estava-se, então, nos tempos da verdadeira Reforma...


Tratando a Madre Teresa com este, com aquele e com muitos outros para arranjar casa que servisse de mosteiro, mal se podia manter em segredo o projecto da nova fundação; assim, pois, logo se espalhou a notícia pela cidade. Uma monja da Encarnação, que tem visões, êxtases e arroubamentos, pretende fundar um convento de Descalças... Diziam os boatos que corriam por Ávila. A notícia levantou grande celeuma em toda a parte. A cidade em peso, com raras excepções, insurgiu-se contra D. Teresa de Ahumada. Foi censurada em todas as rodas, tornando-se o projectado mosteiro das Descalças caso do dia durante algumas semanas.


Nas sacristias, nos conventos, até nos púlpitos se chegaram a fazer alusões nada favoráveis à Madre Teresa. Uns diziam que não tinha ar de Reformadora aquela menina elegante, toda perfumada, chique, que ostentava formosura nos salões e divertimentos públicos de Ávila; outros que, amiga de novidades, só pretendia tornar-se notável nos meios religiosos de Espanha; os mais benignos e sensatos, que sabiam da sua vida interior intensa, das suas virtudes, da sua altíssima oração durante mais de vinte anos e não ignoravam as graças extraordinárias que recebia de Deus Nosso Senhor, esses, mesmo reconhecendo a boa vontade da Madre Teresa, eram quase todos de parecer que o dito mosteiro das Descalças não era viável nem sequer conveniente.


Um dia foi Madre Teresa e sua irmã D. Joana de Ahumada, casada com D. João de Ovalle, ouvir um sermão em determinada igreja de Ávila. Notando o pregador a presença da Madre Teresa, falou, durante o discurso, contra essa casta de monjas que, com ânsia de liberdade, saem da clausura para fundar novos mosteiros... Só faltava indicá-la com o dedo. D. Joana, que andava, nesses dias, à procura de casa para tal fundação, estava toda excitada, apanhando em cheio as investidas do imprudente orador sagrado contra sua santa irmã, e queria fazer-lhe um sinal para se irem embora. Volvendo, porém, os olhos para Madre Teresa verificou que ela estava toda serena, sorrindo até com um certo ar de alegria; não foi preciso saírem do templo.


As freiras da Encarnação, por sua vez, também não olhavam com bons olhos o projecto da Reforma Carmelita. E com toda a razão, diziam os mais sensatos, porque Madre Teresa tinha naquele mosteiro, ao seu dispor, todos os meios de santificação e lá moravam almas escolhidas, mais santas que a presuntiva Reformadora. Enfim, não é possível descrever a tempestade medonha que o demónio, inimigo figadal da glória de Deus, fez desabar sobre a Madre Teresa para ela desanimar e não levar avante a sua ideia do Carmelo Reformado. Foi este o sinal mais certo para ela de que a fundação do convento de Carmelitas Descalças era obra de Deus, e que se faria, sem dúvida, pois tamanha oposição encontrava até entre os bons.


Por este tempo, talvez nos fins de 1561 ou começos de 1562, andava Santa Teresa por volta dos seus 46 ou 47 anos, teve uma visão que muito a confortou na luta que sustentava contra o inferno, empenhado em impedir a Reforma da Ordem Carmelita.


Um dia, acabando de receber a Sagrada Comunhão – conta Santa Teresa–, mandou-me Sua Divina Majestade que tratasse, com todas as minhas forças, da fundação do tal convento, prometendo-me que se não deixaria de inaugurar, que neste convento seria Ele servido com toda a fidelidade, que se chamaria de S. José, e que este santo estaria a guardar-nos à porta da entrada, e Nossa Senhora, por sua vez, à porta de saída, e que o próprio Cristo andaria connosco, que havia de ser como uma estrela que desse grande resplendor.


Apesar destas palavras de Nosso Senhor, de cuja realização a Madre Teresa nunca duvidou, como ela desejava em tudo submeter a sua maneira de pensar, quis consultar o assunto com S. Francisco de Borja e S. Pedro de Alcântara, e ambos os servos de Deus aprovaram o espírito e os planos da Reforma Carmelita. Foi assim que começou a amainar a tormenta e a ganhar terreno a ideia da fundação do mosteiro de S. José. Santa Teresa por toda a parte procurava conselho e apoio para a sua obra, que era também de Deus. S. Pedro de Alcântara chegou a vir a Ávila e foi ele quem explicou à Madre Teresa a forma de se pedir ao Santo Padre o Breve para tal fim, pois acabara de obter outro de Roma, autorizando-o a dar início à reforma dos frades franciscanos, em que ele andava empenhado por aqueles dias no convento de Pedroso, na província de Ávila. Dir-se-ia que este santo homem não queria morrer sem ver realizada a fundação de S. José, sonho dourado da Madre Teresa, a quem ele chamava santa à boca cheia, uma das três santas que naquele tempo albergava a cidade dos cavalheiros, pois volvidos dois meses sobre a data da inauguração, nem tanto – 24 de Agosto de 1562 – falecia S. Pedro de Alcântara em Arenas, Ávila, a 18 de Outubro de 1562.


Ia tudo bem encaminhado para a inauguração da vida carmelita descalça em S. José – D. João de Ovalle tinha já comprado, com este intuito, uma casita com dinheiros que lhe dera um irmão da Santa Madre, D. Lourenço de Cepeda, recém-vindo da América –, quando houve um grande contratempo que pôs em relevo a obediência de Santa Teresa. O seu confessor, P. Baltazar Álvarez, da Companhia de Jesus – dirigiu este ilustre religioso o espírito da Santa Madre mais de quatro anos, na fase mais acidentada da sua vida, 1558-1562 –, manda a Teresa que não se preocupe mais com a fundação em projecto... Nem mais um passo para a frente. A Santa Madre recolhe imediatamente ao mosteiro da Encarnação onde se deixa estar até que o P. Provincial lhe dá ordem para se dirigir, por obediência, a Toledo, com o fito de consolar na sua dor uma senhora fidalga, benfeitora da Ordem, D. Luísa de la Cerda, que tinha enviuvado e não encontrava lenitivo neste mundo. Quer isto dizer que a fama da santidade da Madre Teresa começa a correr mundo; já não pode manter-se abafada dentro das muralhas de Ávila, mas principia a expandir-se por toda a Espanha, chegando até ao palácio do fidalgo Arias Pardo de Saavedra, na cidade imperial de Toledo. Grande desgosto teve Madre Teresa ao verificar que era tida por santa, mas foi necessário obedecer, partindo de Ávila para Toledo pelo Natal de 1561. Pouco mais de 6 meses demorou Madre Teresa na companhia de D. Luísa de la Cerda, enxugando-lhe as lágrimas com o lenço dos seus conselhos salutares, e conquistando os corações de toda a gente com a sua santidade franca, lhana, leal, cativante, porque era esta a característica de Santa Teresa: fazer amar a virtude, tornando-a amorável.


Longe de Ávila, e atadas as mãos pela obediência, D. Teresa de Ahumada nada podia fazer para apressar a inauguração do seu convento carmelitano. Só faltava pedir o Breve a Roma; mas, como a obra de Teresa era também obra de Deus, que deseja a santificação dos seus servos, foi Ele próprio Quem providenciou auxiliares para o acabamento desta obra.


O P. Frei Pedro Ibañez, destemido defensor da Madre Teresa e a sua grande amiga D. Guiomar de Ulloa, quiseram chamar a si o encargo de requerer a Roma o Breve para a fundação e que Teresa de Ahumada veio encontrar em Ávila, no regresso de Toledo, em princípio de Julho, assinado pelo Papa Pio IV a 7 de Fevereiro de 1562. Tudo estava pronto, quando, à última hora, apareceram alguns entraves e dificuldades na compra do prédio. Deus, sempre previdente, deu uma doença grave ao cunhado da Santa Madre, D. João de Ovalle, o que serviu às mil maravilhas como pretexto para Teresa andar fora do convento da Encarnação, com licença do P. Provincial, a fim de tratar do doente, podendo assim gerir pessoalmente este negócio. Diz um dos mais ilustres biógrafos antigos de Santa Teresa que D. João de Ovalle esteve doente todo o tempo que a Santa Madre precisou andar por fora do mosteiro para dar os últimos retoques ao plano da Reforma Carmelita, admirando-se todos de tão estranha enfermidade. É que Deus estava por Teresa e pela sua obra.


*

24 de Agosto de 1562. Data notável na Ordem Carmelita e para a Igreja Universal. Ao romper do dia, ouve-se em Ávila, pela primeira vez, um sino a repicar festivo e jubiloso, que faz acordar os pacíficos moradores do bairro oriental. Os curiosos vão indagar o que aquilo é e topam com uma casita cercada de muros não muito altos, janelas pequenas, corredor sombrio, como em constante penumbra, tecto baixo de madeira. É o novo convento de Carmelitas Descalças de S. José que, neste dia consagrado ao Apóstolo S. Bartolomeu, se inaugura. Tudo aqui é pobre, estreito e sem conforto, como na lapinha de Belém. Lá anda Madre Teresa, a Reformadora, toda afanosa a ultimar os preparativos para a celebração do Santo Sacrifício da Missa, que vai celebrar o P. Gaspar Daza. Este sacerdote, servo de Deus e muito douto, traz a representação oficial do Bispo da diocese a quem estará sujeito o novo mosteiro. Acabam de chegar as poucas pessoas convidadas: D. Francisco de Salcedo, a quem Santa Teresa chama sempre o cavalheiro santo, D. Gonçalo de Aranda, benfeitor da Ordem, D. João de Ovalle e sua mulher, D. Joana de Ahumada, irmãos da Santa Fundadora, o Capelão da comunidade, P. Julião de Ávila, D. Inês e D. Maria de Tápia, primas da Santa Madre, religiosas da Encarnação, e mais ninguém.


À hora aprazada para a cerimónia, reunem-se todos na capelinha daquela miniatura de mosteiro. Finda a Santa Missa, fica ali reservado o Santíssimo Sacramento, considerando-se assim feita a fundação. Foi para mim como estar na glória, ver expor o Santíssimo Sacramento – diz-nos Santa Teresa, quando historia a fundação do seu convento38.


Seguiu-se logo a admissão na Ordem e tomada de hábito de quatro donzelas pobres oriundas de famílias honradas e virtuosas. Lá estavam elas em volta da Santa Reformadora, do lado do Evangelho, vestidas de branco, de mãos postas, descalças, ajoelhadas no coro separado do resto da capela por uma enorme grade de pau. Pareciam anjos... A própria Madre Teresa quis dar-lhes o hábito, acompanhando a cerimónia com orações litúrgicas e bênçãos e, voltado do altar para o coro, o Rev. Dr. Daza.


Vamos registar aqui os nomes das quatro primeiras Carmelitas Descalças que apareceram no mundo como colunas do Carmelo Teresiano e semente preciosa que fez florir tantos Carmelos espalhados pelo mundo. Ei-los: Antónia do Espírito Santo, dirigida por S. Pedro de Alcântara; Maria da Cruz; Úrsula dos Santos e Maria de S. José. Esta cerimónia tão singela, sem o menor aparato nem ruído mas cheia de significado, realizada quase na intimidade para não espantar o vespeiro da terrível oposição da cidade representa, na Santa Igreja, a pedra fundamental do edifício da Reforma da veneranda Ordem Carmelita, cuja origem, envolta em nuvens de lenda e tradições, remonta a tempos antiquíssimos.


[Jaime Gil Diez, Santa Teresa, Edições Carmelo]

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Ao som das caçarolas: MIRA QUE TE MIRA


MIRA QUE TE MIRA


“Mira que te mira, mira que te mira,

Mira que te mira, mírale”.

Acompanha-O e fala-Lhe e pede-Lhe,

Sê humilde e fala com Ele.

S. Teresa (Vida 13, 22)

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Quem foi São João da Cruz?

S. João da Cruz

(1542 - 1591)





Juan de Yepes nasceu em Fontiveros, província de Ávila, Espanha, em 1542 (pensa-se no dia 24 de Junho). È o terceiro filho de um amor proibido. Seu pai Gonzalo de Yepes, oriundo de uma família abastada de comerciantes de tecidos, fora deserdado por teimar casar com Catalina Alvarez, tecelã e órfã de pais e de bens. A vida deste casal não foi fácil desde o primeiro momento, viviam muito humildes e com dificuldades, sendo que após o nascimento de Juan, o seu pai fica muito doente e acabou por falecer. Catalina vê-se sozinha para criar Francisco, Luís e o mais novo. Inicia o que vai ser uma vida de peregrinação e sofrimento procurando em várias terras ajuda e reconhecimento da parte da família de seu marido, o que não encontra. Entre viagens, sacrifícios, fome e pobreza, Luís acaba por falecer ainda criança.


Em 1561, a família encontra-se em Medina del Campo, o irmão mais velho casa e Juan vai estudar para uma escola destinada a crianças pobres. É iniciado em diversos ofícios e presta serviços no Convento de Madalena, é um menino esperto e vivo, destaca-se pela sua habilidade, perspicácia e pelas suas boas inclinações.


Depois dos estudos ingressa no Convento do Carmo da cidade, e depois na Universidade de Salamanca onde estudam os jovens da Ordem. Ordenado sacerdote vem celebrar Missa Nova a Medida del Campo onde vive a mãe.


É nesta altura, que Frei João se encontra com Santa Teresa de Ávila (1567), ele andava insatisfeito com o modo de vida dos conventos Carmelitas, pensando até ingressar na Ordem dos Cartuxos (ordem de muita austeridade), ela ansiosa por ter alguém que a ajudasse na Reforma do Carmo, já a tinha iniciado com as freiras, mas queria estendê-la e sentia necessidade de a levar também aos padres.


É assim que no dia 28 de Novembro de 1568, juntamente com o Frei António de Jesus e Frei José de Cristo se inicia a fundação da nova família do Carmo Descalço, no desconhecido lugarejo de Duruelo. Nesta altura, toma o nome de Frei João da Cruz, pela muita veneração que sempre teve pela Cruz de Cristo.


Esta transição da Ordem Carmelita para a Ordem dos Carmelitas Descalços não foi bem aceite pelos seus irmãos e foi considerado um rebelde. Na noite de 2 de Dezembro de 1577, Frei João da Cruz e seu companheiro Frei Germano de São Matias são presos por um grupo de Padres Calçados e alguns leigos, que rebentam a porta da casa e os levam algemados ao Convento do Carmo de Ávila. Alguns dias mais tarde o seu companheiro é solto enquanto Frei João da Cruz é levado ao Convento de Toledo onde é jogado num cárcere e ali permanece por nove meses. Conseguirá fugir no dia 19 de Agosto de 1578, por não lhe terem permitido celebrar missa de Nossa Senhora!


Este tempo de prisão conseguiu prender apenas seu físico, mas não o seu espírito. Aqueles nove meses foram um período de intensa criatividade e espiritualidade. Ali, com a benevolência dum novo carcereiro, o Santo escreveu as mais belas poesias, o que lhe valeu o título de Patrono dos Poetas. É também notável a sua grande capacidade de amar e perdoar seus inimigos, mesmo aqueles que o prenderam.


Teve uma vida curta mas intensa como caminheiro, pregador, conciliador, e homem de paz. Morreu no dia 14 de Dezembro de 1591, no Convento de Ubeda. A doença que motivou sua morte foi “uma erisipela que começou no peito do pé direito, começou sendo um diminuto glânulo, transformando-se numa inflamação virulenta que rebentou em cinco chagas, em forma de cruz”.


As dores foram intensíssimas, mas já mais se queixou, quer lhe quando lhe cortavam a carne ou lhe serraram a perna. Em 1593 o seu corpo foi transladado para o Carmo de Segóvia que ele próprio imaginara, arquitectara e construíra. E ainda ali se conserva até hoje. (Cervantes na sua novela Dom Quixote alude à viagem do féretro do Santo desde Úbeda para Segóvia)


Em 1926 é proclamado Doutor Místico da Igreja.


Os Santos não morrem, continuam vivos nos seus seguidores e ensinamentos. Dão-nos uma lições de amor e de vida e os seus escritos são verdadeiros tesouros de sabedoria que urge beber e aprender.

Dia 14 de Dezembro - Festa de S. João da Cruz

ORAÇÃO DA ALMA ENAMORADA

Senhor Deus, Amado meu!

Se Te lembras dos meus pecados,

e por isso não fazes o que Te peço,

faça-se em mim, Deus meu, a Tua vontade,

pois que é o que eu mais quero

e manifesta em mim a tua bondade e misericórdia

e serás conhecido em mim.



Se esperas obras minhas

para me concederes o que Te peço,

realiza-as Tu em mim,

e as penas da minha vida que quiseres aceitar

e faça-se a Tua vontade.



Mas se não esperas as minhas obras,

que esperas então, clementíssimo, Senhor meu?

Porque demoras?

Se o que em Teu Filho te peço, é graça e misericórdia,

toma já a minha vida, pois a queres

e dá-me o bem que Te peço,

pois tu também o queres.



Quem se poderá libertar de tudo o que é baixo

se não o levantas Tu, a Ti, em pureza de amor, Deus meu?

Como se elevará a Ti o homem gerado e criado em baixezas?,

se Tu, Senhor, não o levantares com a mão com que o fizestes?

Não me tires, Deus meu, aquilo que me deste

em Teu Filho Jesus Cristo,

em Quem me concedestes todo o bem que desejo.

Por isso me alegro, pois eu sei que se esperar e confiar

Tu não tardarás.



Porque esperas, pois, se desde já podes amar a Deus

em teu coração?

Meus são os céus e minha é a terra;

Meus são os povos, os santos são meus e meus os pecadores;

Os anjos são meus e a Mãe de Deus,

e todas as coisas são minhas,

e o próprio Deus é meu e para mim,

porque Cristo é meu e todo para mim.



Que pedes, pois, e buscas, alma minha?

Tudo é teu e tudo para ti.

Não te rebaixes

nem repares nas migalhas que caem da mesa de teu Pai.

Sai de ti e gloria-te da tua glória.

Esconde-te em Deus e rejubila

e alcançarás o que pede o teu coração.

Que assim seja.



Em Ti, Senhor, depositei a minha esperança,

em Ti está o meu coração, por isso,

o Céu é meu e minha é a terra



Em Ti, Senhor, pus os meus projectos.

Em Ti guardei os meus êxitos.

Por isso, minhas são as gentes,

os justos são meus e meus os pecadores.



Em Ti, Senhor, sonhei o meu futuro.

Em Ti soube amar tudo.

Por isso, os anjos são meus e a Mãe de Deus,

e todas as coisas são minhas;



Em Ti, Senhor, dei tudo quanto possuía.

Em Ti renunciei a tudo onde não Te percebia.

Por isso, o próprio Deus é meu e para mim,

porque Cristo é meu e todo para mim.

Louvado, sejas, meu Senhor!

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Oração dos jovens a S. João da Cruz


São João da Cruz: no mundo dos homens em que vivemos, poucos são os que estão dispostos a aceitar a mensagem de Cristo e do seu Evangelho.
São poucos os que se lembram de que a verdadeira felicidade está ali, como Tu ensinaste, no cimo do Monte, o Monte de Deus, aonde só se chega por caminhos divinos, sendo o mais rápido e o mais seguro aquele que Tu indicaste: a senda recta e perfeita do amor de Deus.
Bem sabes, Frei João, que a todos nos custa subir, que muitas coisas nos impedem de avançar e nos puxam para baixo.
Mas tu indicas-nos um arrimo, o báculo insubstituível, a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Por isso, ao contemplar-te desde este nosso mundo, como o primeiro entre todos os filhos do Carmo, o irmão mais velho, constituído pai e mestre, o primeiro a pisar o cimo da Montanha Sagrada, a contemplar as belezas de Deus, a saborear as delícias da contemplação e do amor, a tua figura aparece-nos como a de uma águia real que com o seu rápido voo alcança as alturas mais puras.
Mas não esquecemos que foste um alpinista que lentamente, com esforço e trabalho, cantando e rezando, em silêncio e solidão, sem nunca deixar os irmãos, subiste passo a passo a Montanha que conduz ao Infinito.
Foste um homem como nós que ansiou pelo Infinito e atingiu aplenitude. Como nós sofreste o rigor das tempestades, foste vítima dos olhares rancorosos, sentiste as incompreensões, o peso da matéria, a tentação do desânimo...

Porém... No teu coração de carne, encerrado em teu peito amoroso, brilhava uma luz inacessível, um poema maravilhoso, uma Fonte inesgotável de pureza e ternura, um Cântico de inexplicável doçura, uma Chama ardente que iluminava as noites escuras da tua vida tornando-as mais claras que o meio dia.
Mantiveste a serenidade, superaste como bom atleta os obstáculos do caminho, orientaste com segurança o coração, purificaste o amor, e deixaste cativar-te por aquelas palavras do Senhor: «uma só coisa é necessária». E no cimo do Monte encontraste a Deus. Encontraste a paz e a felicidade.
Os que ainda vivemos nesta terra lutando pela vida, dirigimos-te hoje a nossa oração, pedindo que não deixes que os obstáculos e dificuldades nos vençam, que não nos falte a vontade de subir às alturas.
Assim, chegaremos à plenitude, viveremos a vida que não acaba, saborearemos a felicidade que vale a pena, descansaremos no Monte onde só mora a honra e a glória de Deus.
Santo Padre João da Cruz, semeia no nosso caminho os teus poemas de amor, faz florir na nossa vida as açucenas da tua paz, faz vibrar no nosso coração a doçura do mel das tuas palavras e ajuda-nos a sentir o que tu experimentaste: que o sorriso da Senhora da capa branca nos proteja e conduza.
Assim seja para nosso bem e glória da Santíssima Trindade.

[Música Calada em Oração, Edições Carmelo]