segunda-feira, 9 de novembro de 2009

NOTAS FINAIS | Carminhada – Vila Nova de Cerveira – 7NOV´09

Quando, parados, se abre uma porta no cimo dum monte!
Outono. Rijo. Os céus da cor do chumbo, o vento batendo forte contra as persianas, o despertador renhindo, lá fora o dia frescote e de cara feia. Tínhamos, apesar de tudo, de carminhar. Em cada uma das casas dos jovens carmelitas, acendiam-se as luzes no bréu da manhã. E porque o amor não muda mesmo quando encontra mudança, Vila Nova de Cerveira era o destino para a carminhada deste dia, a décima segunda, na companhia de velhos e novos amigos. Os jovens leigos carmelitas, estavam novamente em movimento, desta vez inspirados na frase do Padre João Maria Vianney, «Um jardineiro nunca acaba de trabalhar a terra». Dizem que não há sábado sem sol, domingo sem missa e segunda sem preguiça. Dizem. Mas iremos ver se a primeira e a última são verdade. Já que a segunda quase não é. Não apra nós, claro. Fomos convidados neste dia a colocar os pés e a alma, as dúvidas e os medos, o coração e a alegria ao carminho. (Bem: aquilo não era bem um carminho. Era uma escalada subidosa, quatro quilómetros quase só a subir.) E porque jamais carminhamos sós, cem (100!, em tempo de incertezas e de inverno!) corações e duzentos pés congregaram-se a horas na Igreja Matriz de Vila Nova de Cerveira. Cem corações vindos de Alhadas, Avessadas, Aveiro, Braga, Caíde de Rei, Moinhos da Gândara, Paços de Gaiolo, Rosém, e Viana do Castelo. O Sr. Martinho, sacristão da Matriz, pontual e bem cedo, lá se encontrava para nos receber. Fomos acolhidos da melhor forma. Fraternal e delicadamente. Entretanto, a Joana encarregava-se das faixas. Uma novidade o grande grupo de Paços de Gaiolo (Marco de Canavezes) trazia os seus brandões engalanados, sinal da caminhada da fé percorrida e sinal ainda que carminhar como povo de fé é uma alegria!

Entravamos na Igreja Matriz e com a chegada de todos os grupos tudo começava assim: «Caros Amigos que levais o Carmo no coração, sede bem-vindos a Vila Nova de Cerveira…», eram as boas-vindas dadas pela Maria João Brito e Tiago Gonçalves, coordenadores do Movimento Carmo Jovem. Após as boas-vindas e porque o tempo ainda permanecia incerto e nublado, fomos convocados a separarmo-nos por proveniências e em grupo descobrirmos uma forma para nos apresentarmos e darmos a conhecer. Não interessava a parte artística, mas que todos mostrássemos o gosto de ser família de Deus e de carminharmos juntos. Iniciámos a apresentação dos grupos enunciando, primeiro, o Movimento Carmo Jovem. Assim o fez e bem o Tiago Gonçalves. E porque estávamos nas apresentações apresentámos também o Padre António Pires Esteves, pároco de Cerveira e pastor do Carmo Jovem por um dia. Com uma grande salva de palmas terminámos esta apresentação, fazendo votos que o seu apostolado continue a ser fecundo e que fiquem mais perto de Deus todos os que dele se aproximem. Após a apresentação do nosso pastor por um dia, cada grupo se apresentou. Foram cânticos, foram prosas. Acolhíamos com alegria e simplicidade formas de amar, de estar e vivenciar a nossa fé em muitos lugares diferentes! E como a luz do sol envergonhado começou a brincar nos vidros das janelas da igreja, fomos, por fim, cativados a carminhar. A subir. A escalar. Antes de partirmos o Tiago deu as instruções de segurança como sempre entre nós se faz, mas quase não serviram de nada, porque duzentos metros à frente — embora a Vila seja pacífica, peatonal e quase sem trânsito — a parte mais inexperiente dos calcantes provava não saber o que era uma passadeira. Mas, nada de maior se passou: em menos de um minuto surge do nada um xerife que a todos nos pôs em sentido. Ah, xerife! (Enfim, o que queríamos era monte, esticar as pernas e correr, ar puro e desafio!) Começámos, pois, a carminhar… passámos a porta da igreja, reunimo-nos num pátio da mesma e iniciámos os nossos passos em oração. Uma oração breve e simples com guarda-chuvas abertos. Serpenteámos por Cerveira, começara a subida ao monte. Éramos 98 a carminhar, 2 em carros de apoio. E antes que terminemos hão-de chegar mais dois. Ela, grávida. Subimos, subimos, subimos… e paramos aos pés da Senhora da Encarnação. O Frei João Costa, afirmativo, convicto e puxando a nota como quem puxa o lustre, convidava-nos a ouvir, a silenciar, a rezar e a aprender. A aprender mais do que a ouvir! E ouvimos em vários tons e de diversas formas. Ouvimos e apreendemos com a mente e com o coração. Fixamos em nós a data do dia mais feliz da história da Humanidade! Porventura, sabem qual é? Olhem que podemos sempre chamar o Frei!

Aquela ermidazinha branca que mira a Galiza isso nos convidou a comemorar. Foi o que fizemos nos instantes que ali descansamos.

Partimos, frescos, em direcção ao Veado. Continuamos a subir, a subir, a subir um monte bem definindo. Chegámos. Junto ao Veado, estávamos no ponto de maior altitude de toda a XII Carminhada e pela frente, mesmo num cinzento dia, tínhamos diante do nosso olhar, uma das mais belas paisagens de Portugal. E foi dar ao dedo: Chjiik, foto ao penedo! Chjiik, foto a outro penedo! Chjiik, foto a mais um penedo! Chjiik, Chjiik, Chjiik, que os penedos são mais de mil!!! Chjiik, foto ao veado! Chjiik, foto à paisagem! Chjiik, foto a San Cámpio! Chjiik, foto a Tomiño! Chjiik, foto à Galiza! Chjiik, foto ao rio! Chjiik, foto à Ilha dos amores-em-forma-de-coração! Chjiik, foto ao grupo! Chjiik, foto contigo! Chjiik, foto comigo! Chjiik, foto do meu grupo! Chjiik, foto de grupo! Chjiik, foto de família! Chjiik! Chjiik! Chjiik! Chjiik! Chjiik! E 32 máquinas ficaram sem memória no cartão! De tudo que havia para fotografar ninguém fotografou o vento frio! Mas juntos, dasafiámo-lo e cantámos a bom cantar o Veado. Recordámos São João da Cruz, cantámos o Cântico Espiritual, entrámos no templo da nossa alma e encontrámos Deus, real e verdadeiramente presente naquela paisagem agreste, que, só de Verão deve ser linda! Após a «foto de família», reunimos em Assembleia Geral. Era preciso decidir: Almoçar e ir ao Convento de SanPayo ou almoçar e regressar a Vila Nova de Cerveira? Em uníssono saiu a decisão, e SanPayo venceu S. Cipriano. E o decidido está decidido. Descemos do promontoriozinho onde o Cervo se mostra a Cerveira e a quem passa, e refugiamo-nos numa cova a céu aberto, porque ali, reparáramos, nos defendíamos melhor do vento. Ou melhor, não fazia vento! Abancámos por ali: e à falta de mesas e bancos sentamo-nos no asfalto da estrada. Ah! Belos caminhos de Portugal, que nos chamais a carminhar e nos dais banco e mesa para comer!

Mas ainda não tinham terminado os 30 minutos do almoço e já um chuvasqueiro que ameaçava ser maior molhava os pés do Veado! A chuva e o frio desabavam abruptamente sobre nós e fomos forçados a descer e a regressar à Igreja Matriz de Cerveira. São Cipriano vencia SanPayo. E nós perdemos uma parte do caminho, mas aforramos carminhada. Fica para a próxima, como sói dizer-se. E porque Deus se revela na simplicidade das pequenas coisas, com simplicidade e muito amor terminávamos a XII carminhada. Bem, terminávamos a parte física; faltaria a do Alimento.

15:15h anunciava o relógio, quando se iniciava a nossa Eucaristia do XXXII Domingo do Tempo Comum, na Igreja Matriz de S. Cipriano. Uma Eucaristia cheia de solene simplicidade, tão ao jeito carmelita. Ai de nós se se acabarem as nascentes! Como faremos festa de lábios ressequidos?! «Que bem eu sei a fonte que mana e corre, mesmo de noite!» Fazíamos festa! E a festa, vivida em família jovem, tem sempre um brilho muito especial. Entrámos em procissão, cantando. O nosso coração exultava na alegria do Amor de Deus que se revela na beleza das pequenas coisas!

Tendo sido este ano proclamado como Ano Sacerdotal, os Sementinhas, grupo de Caíde de Rei, deu seguimento à nossa actividade de dar visibilidade aos nossos sacerdotes (santos) e apresentou a biografia do padre João Maria Vianney, ilustrando-a com cartazes. O Santo Cura d’Ars, a quem o Papa Bento XVI nomeou para assinalar o ano sacerdotal estava apresentado. E como será fácil de imaginar outros se seguirão, de acordo com o programa do Movimento. A Palavra de Deus ecoou fresca aos nossos ouvidos. Depois ecoaram os testemunhos nas palavras de alguns jovens chamados pela voz de Frei João, que os foi chamando ao presbitério. E foi assim que subiu o Rafael, que se queixa das homilias grandes do Frei João; e subiu o Zé, que a seu tempo foi o despertador matutino do Ricardo Luis; e subiu o Fábio de Passos de Gaiolo, para contar como foi carminhar connosco pela primeira vez; e subiu a Susana, grávida, para contar como é carminhar a três no Movimento! Depois o Frei João continuou a solo. Disse-nos que após termos escutado a Palavra de Deus, tinha ele concluído que Deus vê mais facilmente o que é pequenino que o grande. (Ao contrário dos homens!) E desafiou-nos a que se não compreendêssemos como é que Deus vê melhor o pequenino que o grande, lhe poderíamos ligar para o telemóvel 9694…… E disse ainda que é verdade o que São João Maria ensina: «um jardineiro nunca acaba de trabalhar a terra». Disse-nos que éramos tão novos, tão novos que talvez não soubéssemos o que era um jardim. Por isso, nos desafiou a aprender, a crescer e a trabalhar, porque, cada um de nós, é uma flor ou uma planta no jardim do Carmo. E somos por isso, simultaneamente, trabalhados e trabalhadores. Plantas que se deixam cuidar e cuidadores que cuidam dos outros. Há palavras assim, que nos tocam.

Depois a Eucaristia terminou. Houve tempo ainda para ler uma mensagem do Frei Ricardo Luis, que não podendo subir connosco ao Veado, subiu, lá longe, em Castellón, ao Monte Bártolo, porque, dizia ele, não se esqueceu de nós e quer levar como nós o Carmo Jovem no coração até o cimo do monte mais alto. Houve tempo ainda do Frei João apresentar a Sónia Ferraz, último elemento da Coordenação que faltava relevar; de chamar os Coordenadores presentes e lembrar os ausentes por doença e impossibilidades laborais; de agradecer aos organizadores e aos catequistas presentes (e eram muitos!) a sua colaboração animada. Por fim, ao terminar, foi-nos entregue uma semente e um vaso com terra, assinalando-se assim o fim da XII Carminhada. Afinal, também seremos jardineiros duma semente pelo menos! Havemos de semear e cuidar a terra! E não faltou quem prometesse, no regresso às carminhadas trazer os frutos da sementeira! Bora lá! Bute lá! Também agradecemos a amabilidade do acolhimento e ao Sr. Martinho oferecendo-lhe um vaso de flores, sinal que já vamos dando algo à Igreja! O relógio avançara bem para lá das 17H30, e já as gentes da terra entravam na igreja, entravam na sua vinha santa, no palácio onde Deus habita e onde trabalham a terra com muito carinho para que possam produzir frutos. Gentes da terra, que entravam na sua casa, unidos na mesma fé! E nós saíamos reconfortados e agradecidos… Terminávamos aos abraços e aos beijos, acendendo em nossos corações a esperança do próximo encontro, da próxima carminhada! Que vai ser um Kerit, retiro de silêncio! Alguns, menos apressados, e com sentido das responsabilidades, sentados num passeio, debaixo de uma tília, trocavam alguns apontamentos e palavras sobre o belo dia decorrido, quando alguém ergueu, silencioso, o calado olhar para o alto da montanha verdejante e disse: — Sabeis que só hoje comecei a ver? Apesar passar por aqui de muitas vezes, só agora me apercebi da janela que se encontra no alto do monte? … Só hoje! E o Frei João, sempre (— Sempre?) paciente com as nossas falhas de visão, explicou que não se tratava de uma janela, mas da porta duma capela dedicada ao Espírito Santo. Capela nunca concluída nem deixada concluir pelas gentes, pronuncio de que o Espírito Santo escapa a todas as paredes e grades onde O queiram engaiolar…

Assim é o Espírito Santo! Ilumina e aquece quando quer, tal como o vento sopra onde quer e como quer. É acção nunca terminada em que se deixa enamorar! No mistério do Amor, só de olhos e coração bem abertos O poderemos ver trabalhando-nos, qual jardineiro que pacientemente rega e cuida a terra árida. E se o jardineiro não semeia com amor e não trabalha com amor, como há-de querer colher o que não semeou nem cuidou? Enfim, há sempre uma lição que, fora d’horas, vem ao nosso encontro! Termina aqui a crónica encomendada, porque o dia também terminou. Ao longo de todo o dia tínhamos caminhado com o Carmo plantando no coração. E alguns tinham carminhado esse dia intensamente, mesmo antes desse dia ser dia! Terminara. Caminhámos na certeza de andarmos na presença do Espírito Divino, o doce hóspede da alma. Entramos nos carros, as costelas afeiçoaram-se aos bancos e os corpos gemeram por um duche. Era noite e o Espírito regressava connosco montanha acima. Outra montanha, que as famílias nos esperam. A noite caíra, descia o silêncio. Em nós crescia o espaço aberto duma porta no alto dum monte. E se a felicidade do céu consiste no enlevo da intimidade divina, que continuemos a ser na terra jardineiros que cuidam e sentem esta brisa que passa e não nos deixa iguais… Nesta comunhão de amor encontraremos sempre a nossa identidade n´Ele. E Ele estará sempre em nós, em todos aqueles que nos dispusemos a carminhar a XII carminhada. Obrigado por terem vindo, mesmo se porta alguma se abriu em vós.