sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Santa Teresa de Jesus - Cap.4


IV


ROSAS E ESPINHOS

Andava Teresa entusiasmada com o seu primo a planear, talvez, o que nunca se havia de realizar. Mas Deus, por detrás dos bastidores, punha-lhe alguns espinhos nos agros caminhos da vida para se não apegar demasiado às criaturas. Ia completar 14 anos quando lhe morreu a mãe, em Gotarrendura, perto de Ávila. Não se sabe ao certo quando faleceu, mas parece que foi depois do dia 24 de Novembro de 1528, pois nesta data encontramos assinado o seu último testamento. D. Beatriz morreu ainda muito nova, com 33 anos (1495-1528). Casara em 1509 com D. Alonso aos 14 anos e contava 20 quando nasceu Santa Teresa. Deus Nosso Senhor abençoou a união matrimonial de D. Alonso de Cepeda e D. Beatriz Dávila e Ahumada com nove filhos, que souberam educar no santo temor de Deus.


Não é fácil imaginar como ficaria esmagado o coração de Teresa com este primeiro golpe que lhe vibrara a Divina Providência. Não assistiu ela à morte da mãe, mas, quando chegou a casa a triste nova do falecimento e, sobretudo, ao ver ao longe o fúnebre cortejo que trazia para Ávila a urna com os restos mortais da sua querida mãe, rompeu a chorar, debulhada em pranto, abraçada aos irmãos que a não podiam consolar. Teresa, naquela idade, compreendia já muito bem o tesouro que acabava de perder.


No próprio dia em que D. Beatriz descia à sepultura, teve Teresa um gesto notável que nos revela quanto era terna e filial a devoção que votava a Nossa Senhora. Como já não tinha mãe na terra, foi procurar outra no Céu. Vestindo luto pesado, rolando-lhe as lágrimas pelas faces pálidas, sai Teresa de casa pelo lusco-fusco. Toma a direcção do antigo bairro judeu, atravessa a ponte sobre o Adaja, que, rumorejando por entre ervas, parece gemer e chorar com ela; entra na vetusta ermida de S. Lázaro, extramuros, onde era venerada uma imagem de Nossa Senhora da Caridade. Caindo de joelhos aos pés da SS. Virgem pediu-lhe, como ela própria conta na sua autobiografia, com todas as veras da sua alma, fosse dali em diante sua mãe, pois que só ela podia substituir a que tinha partido para nunca mais voltar. Feita com tanta sinceridade, Nossa Senhora atendeu a sua súplica. Maria sempre amparou e protegeu Santa Teresa de Jesus, por vezes até visivelmente, no decurso da sua vida. Reza a tradição que Teresa e Rodrigo foram também encomendar-se a esta imagem de Nossa Senhora antes de partirem para o martírio. Hoje, esta imagem é venerada na Catedral de Ávila.


Teresa vai crescendo; quinze, dezasseis primaveras floridas. Agora já é uma donzela, cheia de encantos, figura marcante da sociedade avilesa. Vai-se apagando no seu espírito a triste lembrança da mãe já morta. Para agradar perde todos os dias bastante tempo, tratando das suas mãos pequenas e finas, do seu vestuário, do cabelo, mostrando, sem malícia, sua formosura (ela própria confessa que não queria que alguém ofendesse a Deus por sua causa), pelas ruas mais movimentadas e pelos salões mais frequentados pela sociedade, passatempos estes e vaidades que mais tarde chorará com amargura. Nesta altura, quando a formosa filha de D. Alonso andava toda virada para as coisas deste mundo, Deus fez-lhe sentir outros espinhos no caminho da vida, pondo-lhe diante dos olhos a instabilidade das coisas transitórias e perecíveis da terra. D. Maria de Cepeda, sua irmã mais velha, filha de D. Alonso e da sua primeira mulher, D. Catarina del Peso y Henao, abandona agora o lar paterno, depois de ter casado (1531) com D. Martinho Gusmão Barrientos, indo fixar residência longe da família, em Castellanos de la Cañada, pequena povoação de uma dúzia de fogos, na raia de Ávila com a província de Salamanca. Nova separação e lágrimas no lar de D. Alonso.


Já não lhe ouvirá Teresa os conselhos tão prudentes, tão discretos, quando conversava com o primo, às ocultas do extremoso pai.


Sem a vigilância amorável de D. Maria, compreende-se que Teresa arranjasse mais facilmente encontros com o seu parente, mas note-se que estes encontros nunca foram além de passatempos de boa conversa, como diz a própria Santa. Além do mais, temos o testemunho de todos os seus biógrafos e confessores. Todos eles são unânimes em afirmar que a ponderação exagerada que Teresa faz das suas faltas, de forma alguma significa pecado grave, que ela não cometera nunca, mas apenas o risco de nele cair, caso tivesse continuado com esses passatempos. O que é certo é que D. Alonso, homem austero, quis acabar com eles de uma vez por todas, suprimindo energicamente a ocasião. E assim, no dia 13 de Julho de 1531, internou sua filha no convento das Agostinhas da Graça em Ávila, como educanda, recomendando muito encarecidamente à Superiora do Colégio que Teresa não recebesse visitas, nem se carteasse, nem sequer com os próprios parentes. Dezasseis anos tinha Teresa quando foi para o convento da Graça completar sua formação moral e religiosa. Os oito primeiros dias passou-os a filha de D. Alonso bastante aborrecida e amuada, mas logo o convívio das companheiras (era casa de formação para meninas da melhor sociedade avilesa), os exercícios escolares, a vida regrada e metódica que tem para cada hora do dia sua ocupação especial, fizeram desaparecer as saudades. As novas impressões, com o correr do tempo, foram apagando a lembrança do primo e desfazendo a sua ilusão. Deus queria que o coração de Teresa só Lhe pertencesse.


Um dia, D. Maria Briceño, senhora de grandes virtudes e prefeita das pensionistas, falou, na sua conferência semanal, sobre a vocação religiosa, fazendo a história do que se passara com ela própria. Pôs em evidência aquela freira agostinha, diante dos olhos das colegiais que a ouviam atentamente, o poder e a influência das boas leituras no ânimo da gente nova, pois foi lendo no Evangelho aquelas palavras muitos são os chamados e poucos os escolhidos que ela, se convenceu plenamente da vaidade da vida humana e dos perigos que as almas correm no mundo. Foram para o meu espírito – dizia D. Maria Briceño – como um raio de sol que me fez compreender a instabilidade das coisas transitórias e contingentes deste mundo. É fácil calcular como esta narrativa, feita com aquela eloquência que D. Maria sabia imprimir às suas explicações, faria renascer no espírito de Teresa as ideias e lembranças da primeira infância. Convém notar que daqui em diante voltou a ser amiga dos bons livros e de conversas santas; mas confessa com toda a ingenuidade a própria Santa Teresa que, naquela altura, era inimiga figadal da vida religiosa e que de forma alguma desejava ser freira.


Outros espinhos encontrou ainda Teresa nesta quadra da sua vida e mais um duro golpe lhe vibrou no coração a Divina Providência, golpe esse que acabou por convencê-la da instabilidade das coisas deste mundo. Queremos referir-nos à partida para a América, no Outono de 1535, do seu irmão querido, Rodrigo, companheiro e confidente dos seus sonhos e segredos de infância.


Primeiro, é sua mãe que desce à sepultura, quando mais precisava do seu amparo; depois, é D. Maria de Cepeda, sua irmã mais velha, que abandona o lar paterno para ir viver com seu marido longe de Ávila; agora é Rodrigo que embarca em Sevilha rumo ao Novo Mundo, como já o tinham feito os outros irmãos da Santa. Com receio de nunca mais voltar à Pátria, Rodrigo quis nomear Teresa herdeira de todos os seus bens.


Diz o autor do livro Os irmãos de Santa Teresa na América que eles, em cujas veias fervia sangue de guerreiros, escreveram páginas gloriosas na conquista da América, notabilizando-se especialmente pela sua bravura e coragem na batalha de Iñaquito, no Equador (1546).




[Jaime Gil Diez, Santa Teresa, Edições Carmelo]