sábado, 5 de março de 2011

A história continua...Santa Teresa de Jesus, cap XVIII

XVIII

A REFORMA DE SANTA TERESA EM PORTUGAL

Chama-se assim a Ordem Carmelita: Ordem da Bem-aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo – remoçada no seu primitivo viço e esplendor pela Santa Madre Teresa de Jesus.


Não há sombra de dúvida que a Santa Reformadora tencionava vir a Portugal fundar seus Carmelos, tanto de Descalços como de Descalças. As cartas que recebia frequentemente de D. Teotónio de Bragança, Arcebispo de Évora e seu grande admirador, fazendo-lhe convites e apelos nesse sentido, bem como a velha amizade que votava à Princesa de Espanha, D. Maria, irmã de D. Filipe II, leva-nos a crer que só não chegou a vir porque a colhera a morte.
É fácil adivinhar como sofreria Santa Teresa, quando da guerra de Espanha contra Portugal, que teve como resultado a anexação deste reino à coroa de Castela. Há quem diga que Santa Teresa queria vir a Portugal e que desanimou ao saber do desastre de Alcácer Quibir (1578), sobre cujos mortos chorou.
Seja como for, a verdade é que Santa Teresa morreu em 1582, pensando em Portugal, porque era aqui, em terra lusa, onde pretendia vir fundar o seu primeiro mosteiro, logo que começou a expansão da Reforma Carmelita fora do território espanhol.
Se Santa Teresa, porém, não pôde vir pessoalmente a Portugal, vieram em seu nome e trazendo sua representação, seus filhos e filhas. Quer isto dizer que o amor da Santa Reformadora a Portugal o herdaram, como legado precioso, os Descalços e Descalças Carmelitas. Por isso, no célebre Capítulo da Separação, em Março de 1581, um dos assuntos tratados e resolvidos foi este: a introdução do Carmelo Teresiano em Portugal. Ainda no mesmo ano, foi destinado a Portugal, com plenos poderes de Fundador, o P. Frei Ambrósio Mariano, oriundo da Itália, homem de grande inteligência, muito sabedor e de acrisoladas virtudes, um dos Descalços primitivos mais estimados pela Santa Reformadora. Tinha tomado o hábito em Pastrana em 1575, assistindo à cerimónia Santa Teresa que assim lhe quis manifestar o seu apreço e estima.
Quando da partida do P. Ambrósio Mariano para Portugal, estava a Santa Reformadora em S. José de Ávila; e lá foi ter com ela o ilustre Descalço para se despedir e pedir-lhe a bênção e conselhos. Não veio só o Padre Mariano a Lisboa, mas acompanhado do Padre Frei Gaspar de S. Pedro, pregador insigne, e mais cinco religiosos. Em Lisboa encontraram os Descalços todo o apoio, quer da parte do rei D. Filipe, quer do Arcebispo, D. Jorge de Almeida, e dos fiéis. Em homenagem ao Monarca, grande benfeitor da Comunidade Carmelita, tomou o convento o título de S. Filipe.
Parece que o primeiro convento dos Descalços se inaugurou, em Lisboa, pelos lados da Pampulha, em Belém. Foi nomeado mestre de noviços deste convento lisbonense o Padre André da Conceição, português, natural do Algarve.
Em 1585, celebrou Capítulo a Reforma, que se reuniu em Lisboa. Vieram por essa ocasião a Portugal muitos ilustres carmelitas, entre eles S. João da Cruz. Ainda hoje, diz a tradição, nas margens verdejantes do Tejo, o sítio aprazível que escolhera o futuro Doutor da Igreja para ir contemplar a natureza ao cair da tarde.
Em 1610 tornou-se a Província Lusitana de Carmelitas Descalços de S. Filipe independente de Andaluzia e, volvidos mais alguns anos, era tão numerosa e alcançou tanto esplendor que, com licença da Santa Sé, chegou a constituir Congregação à parte, com Superior Geral próprio.
Antes da expulsão dos religiosos, 1834, tinha a Congregação Portuguesa de Carmelitas Descalços 28 conventos: 17 de frades e 11 de freiras.
Ainda hoje, volvidos mais de três séculos, vale a pena ser visitado o Deserto dos Carmelitas Descalços na Serra do Buçaco, inaugurado a 8 de Fevereiro de 1629, em virtude de um Breve do Papa Urbano VIII, que concedia ao Bispo-Conde de Coimbra licença para transferir a propriedade destas serras, pertença da Mitra, para a Ordem dos Carmelitas Descalços.
É uma preciosa relíquia do glorioso passado dos filhos de Santa Teresa em Portugal. O governo da Nação chamou a si o encargo de guardar, com todo o respeito, esta jóia como monumento nacional.
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Não têm conta os ilustres Descalços que floresceram em virtudes e letras na Congregação Portuguesa. Vamos apenas citar alguns: o Padre Silveira, Definidor Geral da Ordem, nascido e criado em Lisboa, insigne comentarista da Sagrada Escritura; D. Manuel do Menino Jesus, Bispo de Viseu, no século XVII; D. Inácio de S. Caetano, Bispo de Penafiel e que nunca chegou a tomar posse do bispado, grande teólogo, exegeta, confessor da Rainha D. Maria I e Inquisidor Geral do Reino. Nasceu em Chaves em 31 de Julho de 1691. Nomeado Arcebispo de Tessalónica, faleceu em 29 de Novembro de 1788. Está sepultado na Basílica da Estrela. Não é menos ilustre do que estes Descalços o Padre Mestre João da Ascensão Neiva (1787-1861), cuja fama de virtudes chegou até nós. Entrou no mundo este insigne filho de Santa Teresa na freguesia de S. Romão de Neiva, concelho de Viana do Castelo, em 26 de Outubro de 1787. Tomou o hábito e fez a sua profissão no Convento de Carmelitas Descalços de Nossa Senhora dos Remédios da cidade de Lisboa. No colégio que a Ordem tinha em Braga estudou filosofia e teologia, sendo ordenado sacerdote em 1810. Sua longa vida de Carmelita pode-se dizer que foi um exemplo, “escondido, com Cristo, em Deus”, no dizer de S. Paulo. Logo os fiéis reconheceram em Fr. João uma alma de eleição, um homem todo de Deus. Desempenhou cargos importantes na Ordem, sendo Prior do convento de S. João da Cruz de Carnide, quando da expulsão dos religiosos em 1834. Os grandes talentos intelectuais deste frade Descalço, a sua memória pronta e exacta, a sua clara e profunda exposição das verdades teológicas, a sua fácil e fecunda invenção de pensamentos e de razões, bem conhecidas e até admiradas pelos seus próprios professores, quando estudante, deram-lhe depois o título de “Mestre”. O P. Mestre Neiva era conhecido em todo o Portugal e o povo português amava-o. Era pregador de primeiro plano, com nome feito, ouvido em toda a parte com agrado e admiração. A sua paixão eram as almas. Quando, em 1833, vivia entregue mais intensamente ao sagrado ministério, foi surpreendido, na sua humildade, pela nomeação de Arcebispo de Goa, Primaz do Oriente. O humilde religioso recusou-se, como outros muitos Descalços, a aceitar a nomeação, preferindo a sua vida escondida e penitente. Depois da extinção dos conventos, retirou-se para o Minho, sua terra natal, fazendo de Braga o seu quartel general de apóstolo. Então consagrou-se todo à salvação das almas e à pregação do Evangelho. Fazia-se tudo para todos a fim de todos conquistar para Deus; isto, porém, sem deixar a sua vida de oração e penitência, porque é esta a nota mais saliente deste grande Carmelita português: vivia fora do claustro, em casa do seu amigo, Cónego José Maria de Oliveira, exactamente como se vivesse dentro do claustro, com o hábito religioso, com a mesma oração, as mesmas austeridades, a mesma penitência... Esta vida de íntima união com Deus e intenso apostolado – é isto a vida carmelita reformada – viveu-a o Padre Neiva vinte e dois anos na cidade dos Arcebispos, sem recuos nem desfalecimentos. “Mortificado por diversas dores físicas e morais que ele sofria com grande paciência e afável alegria, já desfalecido do corpo, que só tinha pele e osso, mas sempre vigoroso no espírito, morto já para o mundo e vivo só para Deus, tranquilo, esperou e viu o dia da sua morte, para o qual se havia preparado sempre e proximamente se dispôs, recebendo com grande devoção os últimos sacramentos”, assim termina Monsenhor Benevento de Sousa89 a biografia deste insigne filho de Santa Teresa. Faleceu em odor de santidade, em Braga, a 16 de Março de 1861. O seu sepulcro encontra-se sempre enfeitado de luzes e flores, na Igreja do Carmo de Braga. O povo do Norte, tanto do Minho como do Douro, conservam com toda a devoção a sua imagem e a ele recorrem nas necessidades, esperando que um dia a Santa Igreja lhe conceda as honras dos altares.
Não queremos encerrar esta pequena galeria de ilustres Carmelitas Descalços sem fazer referência ao ilustre P. João José de Santa Teresa, autor do livro “Finezas de Jesus Sacramentado”, traduzido mais tarde em espanhol e italiano, bem como de dois insignes místicos, discípulos categorizados de Santa Teresa e de S. João da Cruz. É o primeiro o P. Fr. António do Espírito Santo, autor do “Directorium Misticum”, seguro compêndio de Mística em que se reduzem a método escolástico as candentes experiências interiores de Santa Teresa e de S. João da Cruz. É o segundo o P. Fr. José do Espírito Santo, homem de invulgar valor, autor de duas obras sobre assuntos místicos: “Catena Mistica Carmelitana” e “Enucleatio Misticae Theologiae” reeditada em Roma, 1927.
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Em 1834 desaparecem as Comunidades Religiosas em Portugal. Passam-se os anos, mudam os tempos e as ideias que governam os homens e as coisas, e voltam de novo a aparecer os frades e as freiras de quase todas as Ordens Religiosas; só os filhos de Santa Teresa, portugueses, é que não tornam a aparecer no palco da vida nacional. Isto tem a sua explicação natural. Os Carmelitas Descalços ao serem civilmente extintos, como os frades das outras Ordens Monásticas, não formavam Província dependente do Superior Geral de Roma, mas – é isto o curioso e interessante –, em virtude dum privilégio especial concedido pela Santa Sé, constituíam, como já se disse, Congregação à parte, com Superior Geral próprio residente em Lisboa; isto é, nenhum Superior da Ordem tinha jurisdição em Portugal, nenhum deles era obrigado pelo seu cargo a zelar os interesses da Ordem neste país.
Felizmente, em 1927, Deus providenciou quem viesse estender a mão ao Carmelo Português. A Província Carmelitana de S. Joaquim de Navarra, das mais florescentes da Reforma90, lembrou-se, em 1927, de mandar a Portugal alguns religiosos espanhóis, que tinham trabalhado no Brasil, para verem, “in loco”, se ainda era possível reatar o fio de oiro da tradição carmelita neste país peninsular, restaurando a antiga Província de S. Filipe. A hora que passa, portanto, é de restauração para o Carmelo Português. Já surgiu, esplêndida, a aurora. A tarefa, porém, para aqueles que a ela meteram ombros, é ingente. Em 1928 encontramos já carmelitas espanhóis no Alandroal (Alentejo). Abandonada esta fundação, porque não convinha à Ordem, mudaram para a cidade de Elvas, 1929, paroquiando até hoje, a freguesia do Salvador. Depois abriram outras pequenas residências. A de Aveiro, 1930; a de Viana do Castelo, 1932; na Foz do Douro, 1936; no Funchal, 1946. Avessadas (Marco de Canaveses), 1961; Braga, 1962; Fátima, 1971; Paço de Arcos (Oeiras), 1982.
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Instalados os Descalços em Lisboa, 1581, logo mandaram vir suas irmãs, as Descalças, como era vontade da Santa Reformadora, e pedia insistentemente o D. Teotónio de Bragança, Arcebispo de Évora. Mas as Carmelitas só chegaram à capital do Império em 24 de Dezembro de 1584, vigília do Natal. Foram escolhidas para esta fundação religiosas do Carmelo de Sevilha, fundado por Santa Teresa. A primeira Prioresa foi a Madre Maria de S. José, irmã do P. Jerónimo Graciano e filha predilecta de Santa Teresa, que já era morta. Inaugurou-se o mosteiro de Santo Alberto – assim foi denominado o primeiro Carmelo Português das Descalças – em 19 de Janeiro de 1585. A tradição fixa o convento em Santos-o-Velho.


Hoje florescem em Portugal nove Carmelos: o de Fátima, Viana do Castelo, Coimbra, Monte Estoril, Porto, Crato, Faro, Aveiro e Guarda.


[Jaime Gil Diez, Santa Teresa, Edições Carmelo]