terça-feira, 5 de agosto de 2008

Despedida

Conta-se que certa pessoa encontrou o que ninguém antes quisera: um diamante bem feio com uma enorme cicatriz! Pensou em dar-lhe um piparote e atirá-lo para a berma onde se derrotam todos os lixos. Mas pensou: este ano ainda não paguei os meus impostos ao Rei. Isto servirá. O Rei ao receber aquele asqueroso diamante pensou em atirá-lo à cabeça do servo atrevido, mas um avisado Conselheiro pousou suavemente a mão na do Rei e pediu-lhe que lhe cedesse aquela pedra tão ignóbil. Saindo dali levou-a a um joalheiro que a burilou pacientemente durante duas décadas.
No dia do jubileu o Rei exibia satisfeito a mais bela rosa.
Eis o Espírito Caracol. O bicho em si é viscoso, mas ágil. Repelente, mas com encanto. Pequeno, mas animoso. Assustadiço, mas resoluto. Tenro, mas destemido. Lento, mas incansável! Nervoso, mas intrépido.
Não é algo que se aprecie facilmente. A carapaça pode chegar a ser bela ou simplesmente ter a sua piada, mas aquela baba que expele é tão repugnante que nem os queremos ver por perto. Longe de nós como bicho de estimação, pior como amigo. Se se assusta refugia-se em casa. Se chove, encolhe-se. Se ouve os pés das crianças a correr, treme só de pensar que vai ser esmagado. Come as couves e as alfaces da minha mãe e por isso os dá às galinhas. Elas apreciam-nos, e alguns humanos também.
Aparentemente não se recomenda. Mas aquela carapaça faz-me lembrar os falsos refúgios onde nos acoitamos para sossegar o medo. Onde nos consolamos a ouvir música e fingimos palavras mudas de salvação.
Não tenhas medo, pobre caracol!, diz-nos Deus. Sim. Não tenhas medo. Não vivas do medo nem bebas da vergonha. Sim, és tímido, mas ainda assim vai ao jogo da vida com alegria e destemor. Com amor.
Só o amor move.
Rompe a tua carapaça, alarga a tua tenda. Não te escondas, caminha sem medo. Talvez não chegues longe. Talvez não alcances o teu objectivo. Mas por que te assustas? Porque tremes e páras? Estica as tuas peles, firma os teus músculos, expande os teus sonhos, alarga os horizontes e avante! Caminha que é o amor que nos impele! É o sopro do vento do Espírito que nos anima!
Não tenhas medo, pequeno caracol! Amanhã ou depois de muitos amanhãs, depois de teres suado e chorado baba e ranho, quando lá chegares, verás que não custou
nada. Verás que verdadeiramente ainda não chegaste, porque és apenas um pequeno caracol.
E porque és um pequeno caracolito, alarga a tua carapaça! Caminha sem medo! Vai, deixa que «o amor de Deus propague a força do Espírito Santo, para que te mude a partir de dentro. Tens de O deixar penetrar na crosta dura da tua indiferença, do teu cansaço espiritual, do teu cego conformismo com o espírito deste nosso tempo.» (Bento XVI, na homilia de encerramento da XXXIII JMJ em Sidney).
Vai, leva uma rosa! Alguém precisa dela.
Até para o ano.
Obrigado pelo Amor!


Frei João Costa, ocd