Estávamos no vamos não-vamos quando fomos. Arriscamos tudo, pois o monte não tem um único abrigo. Se chovesse beberíamos água fresca da chuva; seria uma espécie de baptismo, sei lá! Na escadaria do templo do Sagrado Coração de Jesus fizemos uma breve oração. Depois, ala que se faz tarda! Cá em baixo a cidade aconselhava-nos a subir, a ir com segurança. O tempo era pior na cidade que na montanha! Fomos. O cajado ia na mão do Dinis, que nunca mais parou. Primeiro houve uma paragem técnica nos Arcos do Fincão. Depois, a partir dali, ó meus amigos!, a partir dali foi uma bela carminhada! Uma das mais belas. Durante 3 km caminhámos sobre um cano d’água em pedra granítica, com 500 anos de idade! É uma bela obra! Bela e surpreendente! Vem de lá detrás dos montes, trazendo ainda hoje a água que abastece as fontes públicas da cidade de Viana do Castelo.
O caminho é todo ele uma imensa surpresa. Aqui sobe, ali desce. Aqui passa por entre austrálias, ali por entre tojos. Aqui alimenta ternas violetas (mas seriam mesmo violetas?), acolá pequenas flores selvagens. Aqui está uma mina e acolá um depósito que protege a convergência de duas nascentes. Aqui são os cavalos que nos surpreendem, ali são as vacas. Aqui cantam passarinhos miúdos a fugir, ali gaios ou pegas. Aqui cruzamos uma calçada romana, ali um pequeno carreiro. Ó diversidade! Ó beleza! Aqui há um campo onde se rega e se colhe erva fresca, ali de certeza é um de sequeiro! Fantástico, tudo canta e grita de alegria! Aqui pode-se correr, ali caminha-se lentamente. Aqui salta-se, ali dão-se passinhos curtos. Entretanto, alguém tem de preocupar-se com o Filipe, que não se ajuda como nós.
Por fim, já a hora ia adiantada e a barriga remoendo quando chegamos ao lugar de pousar. E pousamos. No largo da capela de S. Mamede pousamos os merendeiros que a Verónica nos trouxe. E foi ali sob o olhar do jovem mártir de Cesareia da Capadócia — S. Mamede —, que almoçamos mais com ganas de quem quer continuar a carminhar do que quem quer comer por comer. Foi também aí que as vacas entraram no recinto, e se nós comíamos também elas começaram a comer retouçando na erva fresca.
A verdade é que não apetecia recomeçar a carminhada. A ameaça da chuva era certa, faltava apenas que caísse. E a cair, que caísse enquanto estamos em casa do Santo, pensaram alguns senão todos. Mas caminhamos. Alguém ouviu o que há muitos anos ouviu o jovem mártir Mamede. A nossa carminhada tinha por título: «mandei pedir notícias da vossa fé»; e ali estava quem ouvira uma voz interior dizendo: «Tem coragem, ó jovem Mamede! Guarda a fé e mostra o teu ânimo varonil, pois bem-aventurado será quem sofrer perseguição por Cristo!» Eu sei quem isto ouviu e nos animou a carminhar. E sei também que logo depois de começar a carminhar começou a chover. Abriram-se os guarda-chuvas: 3!, e meteram-se os carapuços na cabeça. Mas isso foi só por segurança, por nós estava S. Mamede e não choveu mais que aquela chuva necessária para os passarinhos não passarem sede nesse dia! Junto à Carreira do Tiro parámos e batemos palmas a ciclistas e a outros passantes com o mesmo bom gosto que nós. Lemos ainda um texto de São Paulo, da primeira Carta aos Tessalonicenses. Todos os excertos foram preparados e lidos pelos Jovens Missionários Kanimambos, do Carmo de Viana. Mas que bela maneira arranjaram eles de nos meter a Palavra de Deus pelos ouvidos dentro! Uma maneira bela e inesperada que nos fazia ouvir pequenos excertos, lidos com bom gosto e muita suavidade! No templo de Santa luzia, que é do Coração de Jesus, e bem junto a Ele, tirámos a foto de família.
Uma foto muito animada, cheia de gente jovem cansada mas de coração carmelita muito animado. Vencêramos a tarde, a chuva, os obstáculos, o tempo frio e as horas sem rede de telemóvel. Lá em baixo o Lima abraçava-se ao mar, perdia-se, ia-se com os navios para outros lugares, levava água fresca e húmus e trazia sal que nos salgava o olhar e a esperança de algo novo! Estávamos neste enleio quando, depois de lermos mais um texto de São Paulo, o Frei João nos desafiou a descer o Escadório. Disse-nos que iria de carro — privilégios de velho! —, mas que nós deveríamos fazer a experiência de descer 999 escadas! Não seriam tantas, que nos acertos finais as contagens não coincidiram, mas ainda assim passaram de duzentas! Ainda assim não foram demasiadas, porque mal chegámos ao campo de futebol a bola desafiou-nos para uns chutos e nós, incluindo as raparigas, fomos correr atrás dela. Nós, não. Todos, não. Uns foram ensaiar os cânticos e outros preparar leituras e o ofertório solene. Às seis rezámos a Missa, com o Frei João a presidir. Entrámos como ele gosta, com uma bela procissão. Entrámos e rodeámos o altar, ouvimos a Palavra de Deus e a dele também. E comemos do Pão Eucarístico que fortalece os fracos e anima os fortes.
E ouvimo-lo dizer que a fé é como uma planta que se cuida, uma vela que não se deixa apagar. E ouvimo-lo dizer que a fé tem de ser defendida, questionada, aperfeiçoada, testemunhada, entregue. Não pode viver sozinha, mirrada, sem se cuidar e regar, sem carminhar com outros, sem ouvir os corações do lado a bater. E ouvimo-lo dizer que os nossos chefes têm de perguntar-nos pela nossa fé, como São Paulo mandou pedir notícias da fé dos Tessalonicenses. Que a Igreja que dá a fé é a Igreja que alimenta a fé. Que a Igreja que acarinha a fé é a Igreja onde se aperfeiçoa e se testemunha a fé.
E ouvimo-lo dizer que deveríamos rezar pelos nossos catequistas e líderes dos nossos grupos, porque eles aconchegaram-nos a fé em nome da Igreja e em nome da Igreja a regam e a fortalecem. E ouvimo-lo dizer que o Ricardo Luis, a Verónica e o Jorge Fernando lhe davam notícias da nossa fé e que se não tem notícias nossas as manda pedir urgentemente. E ouvimo-lo dizer tantas coisas, que um dia alguém que muito estimamos também nos perguntaria sobre a nossa fé e que nós haveríamos de ter gosto em responder-lhe sobre ela. E ouvimo-lo dizer… Depois entregaram-se as recordações da carminhada, pois sempre há uma recordação para recordar.
E por fim fizemos festa, porque o Jorge Fernando já podia falar connosco e disse-nos duas palavras parvas, isto é, pequeninas. Ele é o nosso chefe, o chefe do Carmo Jovem que agora vai connosco à pesca, uma pesca à rede na esperança que renda muito e tudo para todos. Por fim, partimos. Mas custou partir. Era noite, mas não dentro de nós. As nossas almas agora regadas davam boa conta de si e a fé fortalecida está mais pronta para os meses de invernia. Tudo estava terminado, porque
Tudo gira à Tua volta, em função de Ti: não importa quando, onde e o porquê.