A noite cai lentamente, a porta da cela abre-se ao mundo e o coração encara com muita força e coragem a estrada da vida…
É assim que termina o nosso retiro de silêncio, durante o qual estivemos, quais monges eremitas, dentro das celas do Castelo Interior da nossa alma.
O sábado amanheceu chuvoso e frio, tendo-nos obrigado a alterar o plano cativante de silenciar diante da beleza da criação, lá em cima, no monte do Castelinho, trocando-o pela música calada do Convento. Talvez o Pai nos quisesse dizer alguma coisa diferente daquela que estávamos à espera…
Logo no início do caminho (interior, porque desta vez a carminhada era dentro de nós), o Frei João expressou verbalmente o que vínhamos vivendo nos últimos dias: o retiro já começou! Começou no momento em que nos predispusemos a vir, no momento em que marcamos nas nossas agendas esta data, ou mesmo, cada vez que abríamos o blog e líamos o que os nossos guias nos iam deixando para reflectir…
Toc! Toc! Toc! “Eu estou à porta e chamo, quem me abrir a sua porta, eu entrarei e cearei com ele”. Era Jesus, que vinha desde há muito a bater à porta do nosso coração e esta era a oportunidade de lha abrirmos. Fomos desde o início alertados que, abrindo a porta, poderíamos fazer uma viagem com duas possibilidades: descobrirmos coisas maravilhosas sobre Deus, nós e os outros; ou olhar para algumas feridas por sarar, que no dia-a-dia se encontram protegidas pela enumerável quantidade de solicitações que nos ocupam. Fosse qual fosse a viagem, uma coisa era certa: não estávamos sós!
Feito o aviso, ninguém olhou para trás ou quis recuar um passo, e foi a mais nova do grupo que falou convictamente: eu estou disposta a ficar toda a tarde de silêncio na cela com o Santíssimo! Depois disto, quem teria coragem de desistir? Não era o nosso Mestre que nos dava sempre o exemplo dos mais pequeninos?
Tomada a decisão, o Frei João explicou a razão da existência de uma mala de viagem vazia no centro da sala: cada um deixaria ali os utensílios que habitualmente nos metem em contacto com o mundo e não nos deixam livres para ouvir a voz do Espírito: telemóveis (os pessoais e os do trabalho); mp3; máquinas fotográficas e … inclusivamente o portátil do Ricardo.
Começava assim a tarde de oração silenciosa na presença do Santíssimo Sacramento a “quem falámos como a um Amigo” e alguns até deram cambalhotas…uns com o corpo todo, outros apenas com a vida. Outros ainda, com a vida diante de Deus, bailaram, ao jeito das lindas borboletas, que antes de o serem, são apenas feios casulos. Valia tudo, desde que se entrasse na casa da nossa alma para ver, ouvir e sentir o que Deus nos queria mostrar em cada compartimento, começando pelo mais sombrio e frio até ao mais luminoso.
No final, rezámos juntos a oração da tarde com as nossas vidas simbolicamente representadas em diversos objectos colocados diante do Santíssimo: rezámos, cantámos, partilhámos…
À noite, para afugentar o frio, como filhos de Maria que somos, rezamos o terço com meditações sobre Maria do Monte Carmelo, em peregrinação pelos claustros do Convento. E, no final, tivemos um momento de convívio, em que se cultivou a amizade que a nossa Madre Teresa tanto recomendava àqueles que são amigos de Deus: com histórias, canções, conversas, brincadeiras à luz e calor da lareira (mesmo com algum fumo à mistura).
No Domingo, dia do Senhor, reflectimos a partir de um texto “meio tosco”, segundo o Frei João, mas muito profundo, sobre a Eucaristia. Convidava-nos a colocar no Altar todo o esforço do dia-a-dia, não só o nosso mas o de toda Humanidade, como uma elevada acção de graças. Um texto que não se entendeu à primeira, mas que ficou para ser lido e relido, e para assim, depois de voltarmos às nossas casas, podermos continuar a procurar viver com maior perfeição a Eucaristia.
E foi deste modo que, quase já a terminar o nosso retiro, nos reunimos como irmãos na mesma Capela onde tínhamos vivido em companhia silenciosa do nosso Amigo, para essa oferenda de acção de graças: a Eucaristia. Preparada com simplicidade, vivida com naturalidade e desde o interior, deu lugar a momentos de partilha e silêncio, e ainda a surpresas que alegram os irmãos! E quantos abraços tão profundos!
E antes de partir de viagem, como já se rasgava timidamente o sol, subimos até à mata para deixar algum registo, que não fosse só o da memória do coração, a foto de família, ora de frente…ora de lado…ora de costas… ;)
E depois…partirmos…
A noite cai lentamente, a porta da cela abre-se ao mundo e o coração encara com muita força e coragem a estrada da vida…deixando ecoar um grande OBRIGADA no carminho!