.
(Reconheço que quando me pedem para rabiscar uma crónica sobre algo que tenha acontecido, faço sempre a mesma pergunta: e agora?! O que dizer e o que não escrever?! Logo que me é possível silenciar, entro no espaço de um tempo, abro o word e numa página em branco tento "rabiscar" algo que faça sentido.)
.
Sábado, 9 de Janeiro de 2010
.
Pouco passava das 10h30 quando o trio composto por Frei João Costa, Maria João e Verónica Parente abandona a cidade de Viana do Castelo pela portaria do Convento de Nossa Senhora do Carmo, em direcção a Madrid, Praça de Espanha, para uma reunião Ibérica da Pastoral Juvenil da Ordem. Uma paragem em Segóvia, eis a rota traçada.
.
Ligámos o GPS, colocámos as coordenadas e fomos atravessando para a outra margem; rezámos e pedimos a Deus para que nos concedesse uma viagem favorável.
Longos kms de estrada tínhamos pela frente, e um manto nevado era o cenário previsto. Subíamos em direcção a Chaves e contemplávamos a paisagem riscada de caminhos estreitos, e os montes como mantos brancos de neve. Um verdadeiro cenário idílico…
—“Neve? Onde está a neve? Isto é neve?… Valha-vos Deus! Está a nevar? Já ouviram falar em farinha? Sabem que este campos são de trigo?”…
Fosse o que fosse aquilo esvoaçava, e nós ora palrando ora serenos percorríamos estrada fora, contemplando, conversando acerca do que víamos e vivíamos, fotografando momentos que ficarão para sempre retidos na memória. E assim como São João da Cruz e Santa Teresa de Jesus rezavam pelos caminhos, assim nós. Seguindo os seus exemplos rezávamos pelos caminhos salmos de louvor, de acção de graças, simples subsídios duma estrada segura que nos conduzia à mais íntima, profunda e vital comunhão com Deus. Cantávamos e escutávamos a canção Alma enamorada… uma e outra vez.
18h e pico, chegámos a Segóvia! Estacionámos fora das portas do convento de São João da Cruz, pois o nosso olhar via um caminho tão estreito, tão estreito, tão estreito que incrédulos deixámos o carro fora. Por esta não nos achámos capazes de passar. Estacionámos e corremos, pois tínhamos sido avisados que teríamos eucaristia às 18h00. Mas o tempo tinha passado e a eucaristia terminado. Esperamos e fomos recebidos atenciosamente pelo Frei Domingos que nos aguardava. As boas vindas foram dadas e indicado o caminho até à Igreja de S. Tomé. Após a eucaristia regressámos ao convento edificado por nosso Pai São João da Cruz. Entramos pela porta estreita, estacionámos o carro e o Frei João arranja a melhor estratégia para que na manhã seguinte o gelo e a neve não nos pregassem uma partida. Jantámos, cumprimentámos o superior do Convento, Salvador Rós. E fomos depois visitar o Túmulo de São João da Cruz. Foi o nosso sarau em Segóvia.
(O que escrever sobre esta parte da expedição?...)
Neste parágrafo a escrita tem de ser distinta. Distinta, porque tal como nos deixou escrito São João da Cruz: «Parece-me que o segredo da vida consiste em aceitá-la tal como ela é.» Aceito, pois, escrever sobre uma noite onde a sua presença foi uma constante. Onde o ambiente favoreceu à vida interior. Onde no silêncio se fez uma profunda experiência de Deus e se avançou na aventura espiritual da fé que se vive! Onde se partilharam acontecimentos presentes. Onde os abraços foram de força e de esperança, de caminhar lado a lado mesmo que os caminhos sejam distintos. (Podíamos ter ido para a televisão ou para as leituras particulares, mas fomos ter com o pai!) É impossível pensar neste lugar sem que um sorriso nos acenda a «chama de Amor» no rosto e na alma. Há um conjunto de sensações e recordações que nos assaltam. Gera-se instantaneamente um misto de sentimentos, de paz, de beleza, de intimidade… Beleza natural pelo lugar visitado, beleza da interioridade da alma que se sente amada, abraçando a cruz. Não é necessário explicar o vivido. É o momento do amado em nós silenciado. No fim, ao terminar o dia numa noite mais clara que o meio-dia, unidos a uma só voz, rezámos pelas nossas comunidades, pelas nossas famílias, pelo Carmo Jovem… (A)DEUS!
Mais tempo ali ficaria eu, mas num lampejo de responsabilidade decidi deitar-me, convencida de que conseguiria dormir umas horas decentes. Mas o sono tardou em chegar, por mais que as olheiras me afundassem os olhos. Mas não fui só eu…
.
Domingo, 10 de Janeiro de 2010.
.
Despertámos ainda era noite. E saímos ensonados para fora das tocas. O trio dos ensonados chegava ao refeitório para o pequeno-almoço pelas 8h15. Por entre torradas, leite quente, compota e manteiga conversámos sobre a noite mal dormida. Por fim, era hora de partir. Despedimo-nos do Director do Centro de Espiritualidade que nos indicou o caminho a seguir até Madrid. Saímos do Convento. No carro a temperatura marcava -8.ºC! O GPS estava como nós, ensonado e enregelado, e tardou a complementar as indicações que nos tirassem de Segóvia rumo a Madrid. Após uma volta e meia pela neve nas redondezas de Segóvia acabamos escoltados pela Polícia até à entrada da A6.
.
ADEUS SEGÓVIA, olá Madrid que estás a uma hora de viagem!
Eis-nos na auto-estrada. Lentamente o GPS começa a atinar com o percurso. E nós a despedirmo-nos de Segóvia, onde a noite tinha sido «escura com ânsias de amor inflamado…»
Chegados a Madrid abraçámos os conhecidos e conhecemos novos amigos, reunimos, rezamos, ouvimos, cantámos, escutámos e demos a palavra à Maria João, coordenadora do Movimento, que fazia germinar nas suas palavras o viver do Movimento Juvenil Carmo Jovem em terras lusas. Várias e bonitas foram as experiências partilhadas. Depois, agendou-se e escolheu-se o local para o próximo encontro Ibérico de jovens carmelitas, fomentando-se a participação de todos os jovens. Nomeou-se a equipa de trabalho para ser elo de ligação entre os vários grupos presentes. Tirada a foto de família, compartilhámos o almoço, e como tínhamos muitos kms gelados pela frente despedimo-nos dos presentes rumo a Portugal. Ligou-se o carro para aquecer os motores, e após as palavras e abraços do Provincial Miguel Marquez dissemos… ADEUS, MADRID!
No regresso, nas longas horas de viagem, concluímos que tínhamos tido um fim-de-semana diferente, ÚNICO, vivido numa cumplicidade de sentimentos e numa harmonia de acções. Em viagem os desafios foram constantes, a neve, a muita neve, a chuva, a muita neve, as palavras, a muita neve, os gestos e a muita neve… Saber ultrapassá-los, com mais ou menos sucesso, fez-nos sentir vivos e dignos de uma nova etapa. Sim, desta dignidade nos falou e nos falará Deus nos caminhos do Mundo! A família, a mãe, o pai, os amigos ligavam-nos preocupados com o nevão, e falávamos com eles e dizíamos: “Eis-nos a caminho! Eis-nos em viagem!” (E nunca nevava quando eles telefonavam!)
O carro vencia a estrada, a neve caía. “Espectáculo!”, era a palavra pronunciada pela enésima vez. Contemplávamos. (Claro, e como alguém dizia no carro, o mais belo das reuniões são as viagens, as horas passadas entre conversas que se geram nestas incursões de comunhão!) O manto branco abraçava-nos, tal como o manto de Nossa Senhora que nos acolhe em cada dia da nossa vida. Somos seus filhos e de Madrid a Fafe trazíamo-lo sobre nós!... Em suas mãos depositáramos a nossa confiança, com Ela continuávamos o caminho até Viana do Castelo e já em Sua casa, dissemos: - “Obrigado, Senhora do Carmo”.
A aventura, porém, não termina por aqui. Ele é apenas uma pequena parte da venturosa entrega, um caminho do amor apaixonado pelas sendas da montanha do Carmo.
Deixemo-nos seduzir pelo amor de Deus nos caminhos da história...
(A) Deus!