quarta-feira, 7 de abril de 2010

Crónica da I Noite Escura | 13 de Março' 10

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Poesia é o modo como a pele se ilumina.
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No Sábado, dia 13 de Março, em Viana do Castelo, a poesia iluminou a primeira Noite Escura do Carmo Jovem.
Aproximadamente trinta pessoas, vindas do Marco de Canavezes, de Caíde de Rei, do Porto, de Braga e de Viana – cidade que acolheu o Carmo Jovem, nessa noite – somaram-se num ambiente informal para ouvirem o poeta José Rui Teixeira.
José Rui falou da sua infância: não se recorda do momento em que a poesia brotou em si, no entanto confessou que quando era pequeno, os seus cadernos tinham escritos poemas simples de criança, e, mais tarde, de adolescente: “aqueles que servem só naquela altura e que depois vão para o lixo, ou para a gaveta; mas mais para o lixo”. É certo que a sua visão limitada na infância o ajudou na criação do seu mundo imaginário e criativo, talvez por essa razão o autor apresente essas mesmas qualidades nas suas obras. Diáspora é, segundo o autor, o seu primeiro livro, apesar de reunir poemas de livros anteriores. Os poemas foram modificados – “silenciados”. É um processo difícil, este de “silenciar” um poema. Isto porque têm que sair os ruídos que estão a mais e o mais difícil será descobrir o fim do poema: quando ele está concluído (se é que alguma vez ele fica concluído). Foram expostas questões muito interessantes, e actuais. Os tempos modernos são de constante evolução, em que o que hoje é inovador, amanhã já é obsoleto; temos visto o mundo de forma automática; porém ainda não há máquinas para os sentimentos e a palavra, ainda que escassa, não poderá deixar de existir. Há um ser que vive das palavras e que com elas pode erguer a Humanidade; é um ser do dedo indicador, viaja de astronave e toca nas nuvens; cai no mar e não se molha: é um mercador de palavras. O poeta é tudo isto e muito mais. A poesia de José Rui reflecte temas que o mesmo considera importantes e para os quais não guarda respostas estanques: incide imenso sobre a figura da mulher, seja como figura materna ou apaixonada. Ligado à mulher, considera que o acto de dar à luz é lindíssimo; são dois seres num só corpo e o nascimento é a luz, a descoberta – o momento mais importante das nossas vidas. A nossa mãe possui o ventre que nos acalentou e deu abrigo, porém há um dia em que temos que nos afastar de vez – “e as mulheres ficam vazias para sempre” – e outro dia chega ainda, quando é o dia último. José Rui já viveu esse dia de alguém, no entanto, segundo o próprio, não é essa a razão mais forte que o leva a escrever sobre a morte. Rui sente apenas o mesmo que cada um de nós vai sentindo: a eterna dúvida, desconhecimento, hesitação, medo, vazio; e quando se escreve, escreve-se sobre o desconhecido que nos bloqueia e incapacita.
Em Diáspora, um dos capítulos chama-se “para morrer”. São vinte e oito poemas que falam sobre o homem e o seu “prazo”, sobre a noite, a terra, o medo, o silêncio, a casa, o sono, o fogo, para onde vamos e para que vamos.
O poeta, a dada altura, falou sobre o filme “As Horas”, para explicar a imagem que pretendia passar com um dos poemas. Como o filme é um dos meus favoritos, posso partilhar uma fala que sempre me fascinou pela sua simplicidade perante um tema tão colossal e também pela própria situação: uma criança questiona Virginia Woolf sobre o que acontece quando morremos e Virginia responde calmamente que “nós voltamos ao sítio de onde viemos”, no entanto, todos tememos esse momento, por nos tornarmos pequenos e por não nos lembrarmos desse sítio de onde viemos. Por isso, o melhor é confiar nas mãos que nos amparam.
Para além da conversa, houve um breve momento preenchido por um recital, enquanto o artista plástico Damião Porto, desenhava aquilo que ia sentindo ao longo da leitura dos poemas de José Rui. O resultado foi magnífico, como se esperava.
A noite escura foi realizada às claras, quando palavras de poetas raiaram na pequena sala do Convento do Carmo e nos trouxeram a doçura e a imensidão da arte.
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[Ana Lúcia I Caíde de Rei]
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