O dia era 21, o resultado de multiplicar o número de moradas pelo número das Pessoas da Santíssima Trindade (7 x 3). O Pai realmente tem mistérios insondáveis… e perdoem-me esta introdução rigorosa, mas sou dos números, e estas coincidências dizem-me muito…
Bem, dia 21 de abril, estava na agenda, era XX carminhada, de Avessadas à Cidade das Lágrimas, Tongobriga. Na véspera, já tarde, houve que organizar o farnel, que um peregrino precisa sempre de alimento, sim, do pão que alimenta mas que também engorda. E ainda as sapatilhas e um agasalho, porque a noite fazia prever uma manhã de Inverno. Dormi depressa, para enganar as horas e cedinho pus-me a carminho. O GPS marcava 90 km e uma hora e pouco de caminho. E assim foi, que apesar da chuva e do vento era ainda cedo para haver trânsito. Por momentos pensei ‘será que só vou eu’… é que não se via ninguém na autoestrada. Revi placas e indicações ainda muito recentes na minha memória. Fazia poucos dias que tinha passado ali. Um amigo de um amigo chegara ao fim do carminho no início da semana e eu quisera despedir-me. Lembrei-me dele e o dos seus. Também se reza assim, dentro de um carro, ao som dos pneus a rolarem na chuva, mas subindo o monte, sempre.
Cheguei ao Santuário do Pequenino Rei antes da hora. Tenho esta mania, que já não se corrige. Dei uma volta a ver se via outros. Só a chuva. Pensei: não nos atrevemos a carminhar hoje. Uns minutos e logo apareceram os da casa. Bem hajas Filipe, pelo teu acolhimento e bom coração. E assim foram chegando outros, os de Paços, os de Caíde, os de Braga, os de Viana… e em poucos minutos já éramos muitos. E todos falavam da chuva, que nos claustros se ouvia. E todos diziam: ‘Como será’?
A Cidade das Lágrima era perto, pouco mais de uma hora de carminho; mas debaixo daquela chuva, que seria de nós… Mas novamente o Pai, pela interferência da Sua filha Teresa não nos havia de deixar sem carminho.
Os abraços e sorrisos do reencontro, que têm cheiro de alfazemas e jasmins, trouxeram para dentro do Convento e apesar daquela manhã de Inverno, a certeza de Primavera no coração dos jovens carmelitas. E eis que nos guiaram até ao Santuário, onde nos acomodamos nos bancos corridos, encolhidos com o frio, para nos aquecermos ao som da oração da manhã. A pequena leitura proposta quase que soou a Evangelho. Foi retirada do Livro das Moradas da Santa (Santa Teresa de Jesus, fundadora da Ordem Carmelita Descalça, é assim simplesmente conhecida no seu país Natal, Espanha.). Falou-nos de um castelo, e das suas moradas e de quem nele habita. Ficamos a perceber ao longo do dia a importância e significado desta pequenina leitura… de pequeninos nadas se faz o Muito.
A Coordenadora deu o início oficial aos trabalhos do dia, explicando que a chuva nos mudara os planos – assim é quando descemos ao terreno e passamos da viagem organizada no mapa e no papel para o carminho, o próprio. Há adversidades, contrariedades, surpresas, outros que se junto, outros que partem, subidas e descidas, planícies boas para adiantar carminho, e subidas que nos fazem quase perder o fôlego e até descobrem arritmias, bolhas e quedas. Mas lá diz a Santa Madre, que mais valem as quedas dos que as recaídas. Pois é, teríamos de ficar pelo Santuário. Mas carminharíamos, até quem sabe, faríamos a carminhada mais importante, mais especial, única. E passaríamos por um castelo, imagine-se!
A João passou a palavra ao Reitor do Santuário, o Pe. Agostinho Leal. Que bom recebê-lo. Que bom carminhar também consigo. E o Pe. Leal falou-nos ao coração. Falou-nos dos secretos carminhos, fez-nos refletir na imagem do nosso guião, relembrou-nos que o Carmo Jovem é em si um carminho na Igreja e na Ordem. E deteve-nos com Santa Teresa nestas palavras: «Andemos juntos, Senhor, / por onde fordes, tenho de ir,/ por onde passardes, tenho de passar.» (Santa Teresa, Caminho de Perfeição, 26,6). Obrigada Pe. Leal. Obrigada. E contamos consigo noutra carminhada.
Seguiram-se as apresentações dos grupos. Mas a ocasião e o espaço, lembrem-se que estávamos aos pés do Rei, pedia uma apresentação mais arranjadinha. Deu-se um tempo para cada grupo se aprumar. E assim seguimos, a apresentadora oficial das cerimónias solenes, a nossa Bé (Betinha), iniciou e conduziu o momento. E foi tão doce, tão bem disposto, tão jovem! Quem disse que os (mais e menos) jovens não se sabem divertir e improvisar? Houve de tudo, rima, poema, canção, coreografia, improviso, palmas e mais palmas… imagine-se, até houve um comboio que desviou a rota e cruzou o Santuário… A sério! Ainda se lembram da letra da música?
E sabem o que tivemos mais… uma aula de História! Ah pois foi! É que a chuva não nos deixou ir a Tongobriga ver in loco esta cidade romana, mas não impediu que regressássemos a casa mais sábios e mais espertos. Sim, que não é só na escola que aprendemos. A nossa querida Ana (Mamã Kelb) preparou para nós um arranjadinho resumo sobre Tongobriga. Houve até tempo para perguntas e respostas… já não me lembrava de ter uma aula de História há tantos anos… Obrigada, Aninha! Obrigada! Haveremos de ir a Tongobriga ver o que sabiamente explicaste.
E foi tão bom este bocadinho, que como tudo o que é bom, passa depressa e tínhamos já a barriga a dar horas… admira, era já hora de almoçar. E os jovens são assim mesmo, despachados e bem resolvidos, e não tiveram mais modos e vai de se acomodarem no chão dos claustros, fazendo dele banco e mesa, abrindo as sacolas com a merenda, e repartindo o que enfiaram no saco. Comemos, falamos, rimos, e vimos a chuva dar lugar a uns raios de sol. Lá se diz que não há fome que não dê em fartura! Saciada a fome, recomposto o estômago, arrumamos as lancheiras, esticamos o esqueleto e sacudimos as migalhas. Estávamos assim prontos para a grande viagem, ao mais profundo, ao mais adentro. Para Ele.
Organizados saímos do convento, havia ainda umas gotas de chuva que insistiam, mas já se percebia que a tarde traria o sol. E como prometido fomos visitar um castelo. Dirigimo-nos para a Mata dos Mistérios. Para os que conhecem não será difícil imaginar onde nos reunimos; para os que não conhecem, recomendo. Quando forem ao Santuário do Menino Jesus de Praga, visitem a Mata e percam-se por lá.
Pois como alguém deixara escapar de manhã, iríamos fazer a mais importante viagem, uma viagem a um castelo (interior). Um castelo com muitas moradas. E no centro, no centro a mais rica, a mais profunda, a mais importante, e a mais pequenina. Ouviríamos mais tarde, na reflexão do Frei João, que nela só se reúne cada um com Deus-Pai.
Mas havia que merecer a entrada nesta viagem, e isso implicava alguma sabedoria ou pelo menos espírito de sacrifício para o castigo.
Reunimo-nos à volta do castelinho. O chefe e a chefe ditaram as regras do jogo e organizaram as tropas. Ouve perguntas e respostas erradas. Por isso houve castigos, físicos e psicológicos. E ao fim todos merecemos o céu, i.e, o que vem do céu. Ou seja, as palavras sábias da Santa. Descobrimos que este castelo, que é cada um e a sua alma, tem sete moradas, sete quartos, sete aposentos, sete etapas… Unidas por um carminho que nos leva ao Pai. Porque é na última morada, na mais profunda e escondida que Ele nos espera, para com Ele, e só com Ele estarmos. Haveríamos de tentar ainda antes de regressar a casa, fechar os olhos, e transpor as moradas até Ele. Foi tão bom! Tão especial! Que bela carminhada!
E assim seguimos, mais ricos, mais cheios. Haja quem nos mostre a porta! Obrigada!
E antes de regressamos havíamos de fazer festa com Ele. E assim foi. Mas antes, espaço para mais uma inovação. O nosso designer Go (Tiago), quis guardar mais uma memória única. Fizemos uma gotinha humana, guardada para a posteridade em 1000 fotos que hão-de aparecer brevemente para que todos as possam ver. Estamos lá todos, e todos são todos, o que se veem, e os outros. TODOS. Porque somos assim, Família.
Às quatro da tarde celebramos Eucaristia no Santuário do Menino Jesus de Praga, à volta do altar, arrumados por moradas (temos de estudar a lição), aquecidos pelo dia, pela amizade, pelo gosto de estarmos juntos. «Andemos juntos», andemos.
Foi mais um momento especial, como são todas as Eucaristias vividas no Carmo Jovem, não é? A reflexão do Frei João não foi longa como ameaçara. Mas foi rica, valiosa, esclarecedora. Obrigada, Frei. Obrigada, João e Tiago. Obrigada aos que preparam. Obrigada aos que vieram. Obrigada aos que permitiram que viéssemos. Obrigada Avessadas, em especial ao Reitor do Santuário, que nos recebeu. Obrigada à Margarida, pelas flores. Obrigada, Pai por tudo e todos (Assim reza um outro Frade Carmelita que conheço!).
E não podíamos regressar sem a foto de grupo e sem uma lembrança. Seguiram-se os abraços, abreijos, beijinhos, sorrisos. Custa ir. Custa deixar. Mas temos que saber descer o monte e ser gotinha em cada casa, em cada terra, em cada espaço, em cada vida que tocamos.
E lembrem-se ‘Levamos o Carmo (jovem) no coração’. Até breve! Até breve! E já com saudades…
Joana Rocha, Esmoriz