domingo, 1 de abril de 2007

Notas Finais - Carminhada - Aveiro - 31 Março 2007

OUSAR SABOREAR O SAL, OUSAR BUSCAR A LUZ
OUSAR CAMINHAR, OUSAR AMAR
OUSAR, OUSAR

Ontem acordei com vontade de dormir, de passar um dia calmo, de preparar calmamente a Missa Vespertina. A janela entreaberta denunciava uma quase noite lá fora. Uma quase noite fria e ventosa. Quando caí em mim lembrei-me que havia jovens de longe a caminho da Aveiro. Que estava programada uma carminhada. Que era preciso ir recebê-los. Que era preciso pôr sal, carminho e luz nas suas tenras vidas.
Quando cheguei fora de portas reforcei a ideia de pôr em prática o Plano B: trazê-los para o convento e prendê-los na igreja e... Mas, ó meu Deus, disso já eles têm demasiado nas aulas e nas catequeses.
Às 9h00 cheguei à Marinha da Troncalhada, um ecomuseu que faz memória de como as gentes do bairro da Beira-Mar, bem ao pé da minha igreja, faziam sal. Quando cheguei já nos esperavam três carminheiras. Éramos agora seis. Muito em breve seríamos sessenta e depois mais de oitenta. Vieram de longe e de perto, casais e solteiros, idosos, adolescentes e jovens, missionários e catequistas. Estavam de Ílhavo, Gafanha, Aveiro, Mangualde, Viana, Caíde de Rei (Lousada) e Braga. Com gente assim e de tão longe como poderia eu pensar em ter um dia calmo e sossegado?
O céu ameaçava chuva, muita chuva, chuva muito fria. O céu escuro intimava-nos a desistir. E eu rezava ao Céu, para que nos desse um sinal de que não deveríamos ir para casa. E o sinal veio: como o local da reunião e arranque da carminhada estava bloqueado com obras, espontaneamente os fotógrafos desceram à marinha em busca do melhor ângulo, da melhor foto. Quando me apercebo estão lá quase todos e eu também. Bem no coração da marinha rodeamos um daqueles pequenos tanques, aconchegamo-nos e procedemos à apresentação de todos; cantámos uma canção, escutámos a voz de Jesus: «Vós sois o sal da terra; vós sois a luz do mundo.» Há um momento de silêncio, um breve exortação, e ala que se faz tarde!
Quando subo do aconchego da marinha, só então, me apercebo do frio que está cá fora! Há um vento venenoso, um vento frio e marítimo, um vento que deve ter vindo do Pólo Norte no porão dalgum navio ancorado no Porto de Aveiro. Mas a carminhada avança em direcção ao Santuário de Nossa Senhora de Schoënstatt. Ainda não andáramos um quilómetro e já umas pequeninas gotinhas de chuva fria aspergindo-nos nos assustavam. Era o sinal dos temerosos e assustados. Por isso pusemos o autocarro em estado de prontidão: afinal, talvez tivéssemos de regressar apressadamente.
Chegamos a Schoënstatt antes do previsto, e ainda assim realizámos uma paragem técnica em frente à Capela da Senhora dos Campos para fazermos memória dos pioneiros que colonizaram aquelas terras, e rezarmos um pouco: por nós e pelos nossos, pelos trabalhadores e desempregados, pelos doentes e por todos.
Em Schoënstatt parámos duas horas. Foi tempo para ler a carta do Papa aos jovens e o seu desafio a que ousássemos amar. Depois visitámos o Santíssimo que está ali permanentemente exposto e terminamos abrindo os merendeiros. Quando era hora de partir apetecia ficar: o céu abrira-se e o sol aquecera os corpos. Ao fundo o mar sereno cantava canções de embalar: Ó que sesta se poderia ali dormir...
Quando saímos do recinto do Santuário ficamos a saber que fazia vento. Sim muito vento, mas ainda não o vento frio, o vento inclemente e a nortada agreste que nos haveria de fustigar durante toda a tarde. Por essa razão e porque o percurso quase não tinha defesas contra o vento vindo do mar, fizemos a segunda parte em quase contra-relógio. A malta é rija e haveria de aguentar. Mas foi uma tarde de luta contra o vento que quase nunca nos tocou pelas costas. Quando cruzámos Ílhavo enfrentou-nos de frente, quando cortamos a Coutada combateu-nos de lado, quando descemos para Universidade atacou-nos de todos os lados; quando nos fizemos à ponte da Cantina da Universidade até por baixo dos pés nos surpreendeu!
Ó que dura inclemência foi o vento, que só nos deu descanso quando entrámos no Capela de São João da Cruz do Convento do Carmo de Aveiro! Só ali descansamos! Depois, no Salão do Santo de Aveiro restauramos as forças e pudemos brincar. Mas logo de seguida entramos na Igreja do Carmo para a conhecer e rezar o Terço. À hora marcada, um linda procissão com muitos jovens irrompeu pela coxia central da Igreja para darmos início à bela Eucaristia pensada para nós, com mensagem para nós, com envolvência juvenil. Com ramos e com cruz, com festa e oração, com cânticos e comunhão.
Por fim, tudo terminou.
Sim, a nossa canastra chegou a casa cheia de sal e de luz. Sim, vale a pena ousar amar, como nos pediu o Papa na carta que nos dirigiu para este XXII Dia Mundial da Juventude.
Não fomos sonsos nem apagados. Fomos uns heróis. Não descobrimos a luz nem a pólvora. Não terá sido para descobrir luz que fomos até a Aveiro, mas porque fomos até Aveiro a Luz descobriu-se um pouco mais para nós. Houve contratempos? Se houve! Houve barreiras e dificuldades? Claro, como em todas as situações. Estiveram contra nós os elementos: o vento, o frio, o céu escuro e os muitos quilómetros? Claro que sim.
Mas nós, os jovens carmelitas, mostramos que quando toca a descobrir a Luz somos uns valentes!

[Hoje é o Day After. É Domingo de Ramos. O corpo quase não se ressente da carminhada, pois ela foi quase sempre em terrenos planos. Não há vento e está um sol esplendoroso que eu quase não disfruto, porque ando a visitar doentes.]