sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Santa Teresa de Jesus, a história continua...

XI

O TRIUNFO DA MADRE TERESA

No próprio dia da inauguração do convento das Descalças de S. José, a Madre Teresa houve de recolher, por obediência, à Encarnação. As quatro descalças ficaram sós, mas não abandonadas, porque a Reformadora as acompanhava sempre em espírito.
Ávila começa a viver, a agitar-se em volta do novo convento. A cidade em peso abala-se ao saber da inauguração, considerando o convento da Madre Teresa inconveniente mesmo à vida religiosa dos avilenses. Nunca a solução dum assunto prendeu tanto a atenção e interessou a cidade dos santos e dos cavalheiros como este do mosteiro fundado por D. Teresa de Ahumada. Dir-se-ia que estava em jogo para os avilenses a vida da nação...
No dia seguinte ao da inauguração, por volta das três horas da tarde, quando as Descalças estavam bem sossegadas nas suas celas, ocupadas nos trabalhos manuais, bate à porta do convento o regedor Carvajal que, aproximando-se da roda, intima as freiras com brados e por modos violentos a saírem imediatamente da clausura... porque o Conselho da cidade tinha resolvido suprimir o mosteiro da Madre Teresa.
Não se pode dizer o que sentiram neste transe difícil as quatro noviças, mas todas responderam de dentro que só sairiam quando as tirasse quem lá as meteu.
O regedor, fulo, ardendo em ira, volta à sala do Conselho. Novas discussões e novas deliberações. Não havia meio de se chegar a um acordo. Como resolver, então, o caso do qual dependia o sossego da cidade? Alguém propõe o alvitre, que logo foi aceite, de consultar as forças vivas de Ávila, clero, povo e fidalguia numa magna assembleia.
Com efeito, no domingo 30 de Agosto, pelas 3 horas da tarde, reúne a mencionada assembleia geral para decidir da aceitação ou destruição do convento da Madre Teresa.
Já vão chegando as autoridades civis, alcaide, regedor, oficiais de justiça, etc. O clero, tanto regular como secular, tinha também luzida representação, como o Vigário Geral da diocese, cónegos, o Rev. Dr. Gaspar Daza, alguns franciscanos, dominicanos, jesuítas. Nobres e fidalgos de Ávila quiseram também fazer acto de presença.
A sala de sessões regurgita de povo pertencente a todas as camadas sociais. Abre a sessão o Sr. Vigário Geral, que, em nome do Prelado, se limita a ler o Breve Pontifício chegado de Roma para a fundação, e imediatamente retira da sala. Começam logo as calorosas discussões.
A opinião mais forte, entre clérigos e seculares, é pela destruição do convento da Madre Teresa, não tendo força o Breve Pontifício – alegava-se –, por isso que se não observaram algumas condições... O povo, que não via com bons olhos a nova fundação de Descalças, concorda plenamente.
Nesta altura, quando as pessoas amigas da Reformadora viam a causa perdida, levanta-se para falar, fazendo sinal de silêncio aos assistentes, um grande teólogo da Ordem de S. Domingos, companheiro de armas daquele Frei Pedro Ibañez que aprovara com entusiasmo o espírito da Santa Madre e o projecto da Reforma da Ordem Carmelita. É Frei Domingo Bañez.
Toda a gente, na sala, volve os olhos para o jovem teólogo dominicano. Fala como só ele sabe falar: com aprumo, energia e precisão teológica.
– Não pode tomar-se assim – diz – de ânimo leve, uma resolução destas... acabar com um convento. Trata-se da supressão dum mosteiro aprovado já pelo Santo Padre e pelo Sr. Bispo de Ávila. Ponderem, também, os meus senhores –acrescenta – que esta obra é indubitavelmente destinada à maior glória de Deus e que a Madre Teresa tem muito bom espírito, pretendendo apenas com isto salvar e aperfeiçoar almas. A solução deste caso tão momentoso é, como se vê, da exclusiva alçada do Prelado, visto tratar-se dum assunto eclesiástico. É a ele e só a ele que incumbe resolver o caso, não a nós nem ao Conselho desta ilustre cidade.
Assim, em síntese, falou este eminente homem de ciência, tido e havido como alguém nos meios cultos de Ávila. E não admira, pois foi dos mais insignes teólogos do seu tempo. Aquelas palavras calaram fundo no ânimo da assembleia e podem ser até consideradas como uma mensagem do Céu, pois extinguiram completamente o fogo da luta acesa contra o convento das Descalças de S. José. Os assistentes entreolhavam-se admirados.
Triunfara, portanto, em toda a linha a Madre Teresa.
Quando, de novo, se levanta para falar o regedor Carvajal, já não é para pedir a supressão do convento de S. José, mas sim, para que se informe pormenorizadamente o Prelado da diocese do resultado da assembleia.
Assim terminara, com a vitória estrondosa da Madre Teresa, aquele memorável consistório avilense dessa tarde de domingo, 30 de Agosto de 1562.


[Jaime Gil Diez, Santa Teresa, Edições Carmelo]