sexta-feira, 22 de abril de 2011

Notas Finais II - XVII CARMINHADA 16 ABR'11


 Não direi como a Ana e o Pedro que saímos era ainda o tércio em que as galinhas sonham e os pardais lavam a cara. Mas era, isso sim, bastante cedo. Quem vai para o mar avia-se em terra, e nós íamos para um mar de pedra, para uma desafiadora montanha que nos poria à prova.
A XVII Carminhada foi quase sempre a subir, a subir, a suar.
A condução do Zé é suave. Um embalo que embala o dia. Uma confiança que nos anima a carminhar. Por isso a chegada a Paços de Gaiolo foi mais fácil do que eu acreditei que pudesse ser, mas também é verdade que éramos menos grupos por quem esperar. Assim sendo, estrangeiros éramos os de Viana do Castelo e de Caíde de Rei, a Beatriz da Gafanha da Nazaré e a Lúcia de Avessadas que chegou em taxista privativo. Ah, rapariga! Assim é que é! Oitenta no total.
A organização mostrou estar à altura desde a primeira hora. Três carrinhas de nove lugares puseram toda a gente na Prainha em menos de um suspiro. Não, não foi rapidamente. Foi calma e diligentemente.
O começo é sempre excitante, ainda que a Maria João trema e nunca saiba o que há-de dizer. Mas, ó rapariga, visto que tanto gostas de Santa Teresa porque não falas tu dela e te inspiras nela e no que ela gostava de dizer aos jovens? Faz de conta! Faz de conta que os miúdos estão ali para ouvir-te. Porque estão ali para ouvir-nos falar das nossas amizades com Jesus e com Teresa. Eles precisam desses amigos e dos amigos que eles fizeram depois deles e antes dos jovens. Por isso, para a próxima não tremas, fala-lhes de amizade. E vais ver que isso resulta!
Até um megafone tínhamos! Verdade que falhou na primeira intervenção, mas não falharia mais. Nem falhará o Duarte – Sr. Duarte, fachavor! – durante todo o dia. Na véspera sacrificara uma mão nos espinhos das palmeiras, mas hoje apresentará o microfone da Paróquia onde houver uma voz que precise de erguer-se, um cântico para cantar-se, uma oração para dizer-se.
Aquilo na Prainha foi rápido, porque o queríamos mesmo era subir. Vamos subir tanto, perguntaram-me? E é se queres comer e dizer que no dia Mundial da Juventude subiste uma montanha em honra de Quem ama preferencialmente os jovens!
E lá subimos.
A primeira subida foi enganosa. Ligeira e enganosa. Fomos pela orla do Rio Douro, porque era à beira do Douro que nos encontrávamos. Não, não era o Alto Douro. Era o Douro do Douro Litoral. Um Douro verde, rasgadinho, encrespado, acaçapado e desafiador. Fomos andando por ali. Ó Duarte, disse eu, que espectacular deveria ser uma carminhada entre Ribadouro e Paços de Gaiolo! Sempre à beira-rio. Sempre ao verde. A dar de beber rios de fé aos jovens! Eu tenho lá conhecimentos, disse-me ele. Não é coisa difícil de organizar. Ó Ana, disse eu à Ana, que vinha no segundo carro, uma das próximas carminhadas será em Tongóbriga, que nos fará mergulhar na história a fim de nos livrar do acne juvenil que traz convencidos de que os de agora somos os maiores! Eu conheço bem a zona, responde-me ela. Isto vale bem um passeio! E nem imagina quanta fé dorme entre estas pedras! Assim se fará, remato eu.
E entretanto vamos já verdadeiramente enfunados vereda adiante, in media res como diria o Camões, num aprazível aquecimento muscular. Tão aprazível que quando chegarmos à Cruz Branca não será fácil calar o chilreio do pardal que há em cada aurícula dos jovens carmelitas ali presentes. Por fim lá conseguimos parar e calar-nos naquele lugar de secreto encanto, tão mais secreto por não ser com os olhos da cara que se percebe o segredo dele. O Frei Daniel cantou o Cântico das Criaturas e nós secundámo-lo, e o rio e as montanhas, a albufeira e os arroios, os grilos e as rolas, os caminhos e os ares, as bogas, os mosquitos e as ervas juntaram-se a nós. Tudo cantou e gritou de alegria!
Mas havia que seguir. Dar mais um passo. Porque íamos passo a passo com Teresa, com o Senhor, pelos caminhos da vida, com paixão, acompanhando a sua Paixão. Seguimos pois mais um passito ameno. O caminho não tardaria a empinar. Lá à frente ia o capitão e os subcapitães da Equipa de Juvenis do Futebol Clube de Paços de Gaiolo. Entre os três têm poucos golos marcados, pois são defesas. Mas não tem mal. Se se tratar de subir um montanha, ela que venha! Que se não vier, vão eles. Parecerão insaciáveis! Subirão como um Falcao em busca do golo e do cume mais glorioso! Eu que os acompanhava, melhor, eu que os acompanhava com os olhos meditava com gosto o quanto é belo o lema e o nome que escolheram para o seu grupo de jovens cristãos: Segue-me! E eu seguia-os, deixava-me levar por elas. Trepava por aquelas veredas imensas que hão-de ser uns curtos doze quilómetros, mas serão tão duros que só confiando no Segue-me evangélico eu consegui subi-las.
A Ana Maria tratou-nos como filhos. Deu-nos água, muita água, e zelou para que tudo corresse bem. Esperou por nós e animou-nos, deu-nos cocos e bolinhos de amor, por forma a que se alguém desanimasse – e não faltou quem julgasse impossível subir aquilo tudo – o amor o puxaria para a frente. O Sr. Manuel consagrou-se também à causa, e habituado que anda a olhar caras e ler cansaços olhava-nos a ver se algum desistiria. Não desistiu. Mas aqui e ali foi dando umas boleias. O Sr. João também. Tudo malta da maior, tudo gente impecável.
Eu já cruzara antes aquelas montanhas, mas de carro. Sempre de carro. E sempre me apercebera do que sofre um carro para subir aquelas penhas! Hão-de levar ali a Volta a Portugal, que eu quero vê-los subir de bicicleta! E se estiver sol, sol daquele belo como Deus nos deu naquele sábado antes dos Ramos, eu quererei ver como trepariam as bicis! Nós trepámos com um sol belo nas costas e uma brisa que acabou por ser suave. Era um sol quente que obrigava a buscar as sombras que nem sempre nos acompanharam.
Não sei que mais se diga daquela carminhada, senão que foi mais uma escalada bem conseguida. Fique outra imagem. A meio três homens de mãos calosas, erguiam um muro debaixo daquele sol espesso. Passámos três vezes por eles. À primeira não falaram porque estavam surpreendidos com a nossa inexplicável presença; à segunda meteram conversa, mas nós tínhamos de caminhar a fim de preparar uma procissão. À segunda, vínhamos nós de regresso e eles mostram-nos dois garrafões de vinho – um vazio e outro meado – para nos animar. Ninguém bebeu, porque cada um se anima com o que quer, embora, verdade seja dita, o muro se encontrasse direito, alinhado e belo. Mas à custa de sol e de vinho e do saber e dos segredos que alguns ainda conservam de fazer um muro, com mole e duro.
Como noutro lugar alguém já disse chegámos todos por fim ao Calvário. É um montículo bonito, quase perfeito, quase bíblico, com um enorme pinheiro também ele bíblico, talvez até abraãmico. Aconchegou-nos como uma mãe sob a sua larga copa. A Ana Maria e o David que entretanto acordara deram-nos água, mais água, muita água fresca. E que bem sabia a água!
O Monte do Calvário de Paços de Gaiolo só tem duas cruzes, de maneira que ou imaginamos a terceira, ou somos nós que carregamos a terceira, ou hão-de lá colocar a terceira, ou então aquele mais parecerá o Monte das Bem-aventuranças! Que linda colina, que sombra suave, que descanso, que paz! E Teresa acompanhou-nos mais uma vez no descanso e na oração.
Faltava subir até à Escola Professor Marçal Grilo, a tal que foi construída porque a educação de dez crianças merece esse esforço orçamental!
Afinal, o Calvário não era o fim do subir!
Por isso lá subimos o que estava em falta!
Fomos do Calvário à Escola em meia hora. Para espanto dos vizinhos daquela terra subimos aquele empinado em trinta minutos! Coisa inesperada e nunca vista. Está feito, e por isso registe-se. Na Escola sentimo-nos bem, muito bem. Qualquer miúdo de hoje se sente ali bem. O recreio era grande e tinha uma bola; a escola tinha um alpendre com mesas e cadeiras. As mesas tinham pão e acepipes vários que não reconheci a todos, broa, aperitivos e carne grelhada, água, sumos e vinho fresco da terra. Faltou o cabrito, mas aquela não era a Última Ceia. Nem houvera necessidade que fosse. Aliás, ele fica bem na última e aquela era só a primeira.
Eu comi alface fresca bem temperada. Não desgostei do almoço, bem pelo contrário. Fui até surpreendido pelo almoço, aliás, fomos todos surpreendidos pelo almoço, a tal ponto que quem chegou a abrir as mochilas teve de as fechar e aproximar-se das mesas! Eu gostei tudo no almoço, da companhia bem disposta e trabalhadora às iguarias. Mas naquele almoço eu gostei mesmo foi da alface! Verdinha! Fresquinha! Bem temperada! Eu nunca comi uma alface assim, tão fresca e no alto dum monte, no pátio dum lugar onde as letras sabem a comida! O grilo que há em mim rejubilou e nas suas memórias afectivas mais suculentas guarda agora secretamente aquele belo, fresco e basto repasto.
Tudo tem um fim. E naturalmente ele chegou. Mas só chegou depois de cantarmos os Parabéns à Ana Maria e de vermos um vídeo realizado pelos Spielgbergues do lugar que cronicaram em imagens as suas andanças pelo Carmo Jovem. Verdade se diga, que eram todas de carminhadas bem mais suaves que aquela que nos fizeram sofrer.
Pés pois ao caminho. Era já da banda da tarde.
Subimos um pouco mais até Igreja de Fandinhães que em tempos idos foi desmantelada até só restar pouco mais que o presbitério. O que resta é um resto muito belo, um restinho acolhedor onde inexplicavelmente coubemos os 80 que éramos! Na penumbra e um pouco no aperto lá rezámos, para que não se diga que aquele lugar sagrado de oração já não acolhe queira erguer o coração a Deus!
Seguimos em frente, que a subida acabara. Enveredamos para o Lugar de Gaiolo, ou pelo menos o berço de Paços de Gaiolo. São umas casinhas pequeninas, típicas, de pedra tosca, mas que valem bem uma visita. Por ali fomos. O acesso não é de todo fácil, mas o Presidente da Junta de Freguesia, Sr. Manuel Vieira, quis receber-nos bem e mandou cortar a erva que impediria a nossa passagem. Simpatia que não saberemos pagar. Fique ainda aqui um aparte para agradecer as palavras sentidas e oportunas com que nos saudou depois do repasto do meio-dia. Naquele pequeno discurso que nós sublinhámos com palmas, falou-nos de João Paulo II – o Papa dos jovens. E de como ele nos queria fortes e corajosos, sem medo pelos caminhos do mundo! Oportuno, sim senhor.
A passagem pelo berço de Gaiolo foi rápida, mas ficou a boiar a ideia de lá voltar, calmamente, para ver e fotografar, para passar pela tasca de pedra desde onde nos saudaram espantados a nós que íamos quase esbaforidos.
Regressados à Estrada Nacional foi sempre a descer, que é bem pior que subir. Por fim chegámos ao Cruzeiro, debaixo dum sol quente mas não inclemente. Ainda assim abrigámo-nos para nos refrescarmos e descansarmos. Depois do descanso benzemos os ramos, lemos o Evangelho da Entrada em Jerusalém e escutámos uma pequena exortação que visava tirar-nos o gás, para depois o incendiar numa bela e prolongada aclamação do Senhor já dentro de portas da Igreja de São Clemente de Paços de Gaiolo.
Destaque aqui para a chegada dos nossos bébés Dinis e da Beatriz nas cadeirinhas dos carros dos papás; eles são sempre oportunos, pois nunca se esquecem de nos trazer os pais. Bem hajam. A Ana e o Marco, namorados, sempre que podem também não faltam; ainda que a Ana tenha de vir de Castelo Branco!
Da celebração mais poderia ser dito, mas não melhor dito que pela Ana e pelo Pedro. Registo apenas para algumas palavras do Frei João, na homilia – finalmente uma homilia curta, Frei João!
Como era celebração do Dia Mundial dos Jovens saudou-nos como tal, especialmente os que vieram de longe e os que colaboraram na Organização: Ana Maria, Beatriz, Duarte, Francisco, Grupo Segue-me, Sr. João, Sr. Manuel, Sónia, Vanessa. Porque os grandes eventos precisam de pequenos e grandes cuidados, de pequenos e grandes corações, de pequenos e grandes trabalhos! E até o David e o João ajudaram!
Depois disto, o Frei João disse o que já sabíamos: Que só um foi Santo, só um foi bom! Tão bom que o melhor que lhe acharam foi carregar-lhe a cruz depois de O condenar e flagelar e, por fim, crucificaram-nO na cruz no Monte Calvário. Ele era bom e santo e não merecia nenhum do mal do que lhe fizeram! O seu percurso  com a cruz foi pequeno, de menos de um quilómetro. Mas foi o único a não merecer fazê-lo. Por sua vez, a nós tocou-nos um percurso doze vezes maior, muito mais empinado. Difícil, sim. Duro, também. Mas não tão duro e imerecido como o de Jesus.
O dia 16 de Abril fica na nossa memória por termos subido corajosamente durante 12 quilómetros. Íamos bem, seguros, frescos, com amigos, aconchegados e algumas vezes a rezar. Jesus fez o seu calvário de maneira bem diferente e dolorosa.
Foi por isso que carminhámos em Paços de Gaiolo. Que aquele percurso de fé nos anime a nunca desistir de honrarmos Jesus com a nossa vida, porque Ele ofereceu a Sua para salvar a nossa. Que em nossos dias, cada dia, demos um passo e outro passo, contemplando um passo da Paixão por Jesus, que através dela nos salvou.