sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

A história continua...Santa Teresa de Jesus, cap XV

XV

A TORMENTA

Como não há rosas sem espinhos, à natural alegria pela fundação dos mosteiros de Beas, Sevilha e Caravaca que a Santa Madre acabava de fazer sem dinheiro algum e remando mesmo contra a maré, juntara Deus Nosso Senhor não poucos dissabores e contratempos. Não se admirava disto Santa Teresa, porque sabia muito bem ser a vida humana um tecido de tristezas e alegrias.
Meses antes da inauguração do Carmelo de Sevilha, soara a hora da perseguição para a Santa Reformadora e a sua obra. Um belo dia chegou ao conhecimento da Madre Teresa uma notícia assaz desagradável, que explodira como uma bomba entre os seus filhos e filhas, que já formavam legião. Já não eram apenas malfadados boatos que corriam nos conventos das Descalças ou entre os seus amigos, tanto eclesiásticos como seculares; era já uma realidade. O Capítulo Geral celebrado em Piacenza, Itália, em Junho de 1575, sob a presidência do Superior Geral, Frei João Baptista Rubeo que até então se tinha mostrado favorável à Madre Teresa, pronunciara-se decididamente contra a Reforma e a Reformadora. Com toda a sua autoridade decretou a supressão dos conventos de Descalças fundados na Andaluzia, e que a Madre Teresa recolhesse a um dos mosteiros de Castela donde não mais sairia para fundar sem ordem superior, considerando-se, naquela casa, como prisioneira.
Obediente como era, a Reformadora quis imediatamente pôr-se a caminho desde Toledo, não atendendo ao seu precário estado de saúde e contínuas enfermidades; mas o P. Jerónimo Graciano, que já era Visitador Apostólico dos Descalços e Calçados na Andaluzia, não a deixou partir, sem primeiro concluir e consolidar a fundação do mosteiro de Sevilha. Poucos dias depois da inauguração, empreendera viagem a Madre Teresa para a cidade imperial, acompanhada da sua sobrinha, Teresinha, filha de seu irmão, D. Lourenço de Cepeda, recentemente chegado da América. Santa Teresa diz alguma coisa do grande gozo que experimentou, ao ver-se assim perseguida e encarcerada no mosteiro de Toledo. Até chegava a esfregar as mãos de contente, acrescenta o P. Graciano, seu Superior e confessor, como se lhe tivesse tocado a sorte grande, o que muito a mim me confundia, quando ia desabafar com ela. “Ou sofrer ou morrer”, eram nesses dias as suas palavras. “Ou sofrer cá na terra por Deus ou, então, ir vê-Lo lá no Céu”.
Mas, afinal, quem fez desabar este temporal sobre a Madre Teresa e os Descalços?
Informações de pessoas apaixonadas, responde ela própria, desculpando todos, especialmente o Sr. Núncio de Sua Santidade e os Calçados. Esta, é a razão por que devem ser desculpados na sua luta contra a Reformadora e os seus filhos: os Calçados entendiam que a Reforma não vingaria, e assim a Ordem do Carmo faria fraca figura na Igreja; por isso queriam acabar com ela, encarcerando a Reformadora e desterrando os Descalços mais notáveis, S. João da Cruz, P. Ambrósio Mariano, P. Jerónimo Graciano, Fr. António de Jesus, etc.
“Era Deus Quem assina o permitia”, escreve Santa Teresa. As águias durante a tempestade, levantando voo, vão pousar sobre os cumes mais altos das montanhas, acima mesmo, por vezes, das nuvens e, assim, dificilmente são apanhadas. Foi o que fez Santa Teresa no isolamento de Toledo: entregou-se mais do que nunca à oração, à vida interior, à vida escondida, com Cristo em Deus, no dizer de S. Paulo e deste modo conseguiu vencer e sair santificada da tormenta. Mas, criatura mortal sujeita à miséria humana, de tudo precisou para lutar e vencer, sem faltar à caridade. Os Calçados, conta-nos a Prioresa de Sevilha Maria de S. José, chegaram a instaurar um processo contra a Santa, Reformadora... Ao saber do que a acusavam, proferira com calma e graça estas palavras que damos na língua em que foram ditas: “Ya que han de mentir, más vale que mientan de suerte que nadie los crea”.
Santa Teresa, perseguida e condenada pelo Capítulo Geral da sua Ordem, considerada rebelde e privada dos seus auxiliares mais fiéis, (e entre estes de S. João da Cruz), também havido como revolucionário e cúmplice da Santa, não perdia um só momento a tranquilidade, a alegria natural e o agrado no que dizia e escrevia. Achacada e sofrendo sempre por causa das suas mazelas, caminhando rapidamente para o termo da vida, penitenciando-se sempre, e visitada por todas as provações, ela não desalentava. Sorria, escrevia cartas para toda a parte e escrevia em poesia suave e delicadamente.
Suas filhas escreviam-lhe no mesmo sentido, consolavam-na e pediam-lhe conselhos e inspirações. Também discursavam em verso, enviando-lhe as suas trovas. A Santa Madre lia-as, coleccionava-as e corrigia-as dando avisos em poesia assim como os prestava em assuntos de meditação e oração.
Um dia escrevia ela a seu irmão Lourenço de Cepeda: “Mandaram-me aqui, a Toledo, onde estou, as tuas cartas, que me distraíram muito e divertiram as minhas irmãs; foram lidas no recreio. Quem te proibisse o gracejo, meu caro irmão, seria o mesmo que tirar-te a vida; mas, como é a santas a quem tu te diriges, acautelas-te menos; e, em verdade, são santas estas irmãs e não poucas vezes me causam a maior confusão. Era ontem a festa do Santíssimo Nome de Jesus e houve grande festa no mosteiro”.
*
Enquanto isto escrevia Santa Teresa e redigia as páginas preciosas dos seus livros, continuava a desabar a tormenta e falava-se dela em Piacenza, em Roma, em Madrid, não se compreendendo o sentido da sua Reforma e maculando-se a vida ilibada dos seus filhos. Foi isto o que levou a Santa Reformadora a endereçar algumas cartas, modelares no género, aos Superiores, ao Núncio Apostólico, ao Rei, defendendo a inocência dos Descalços. A verdade é o que todos queríamos se conhecesse, dizia por aqueles aziagos dias Santa Teresa, como viviam uns e outros (Calçados e Descalços).
Houve um Núncio de Sua Santidade em Madrid, a quem a Santa Madre chama “santo”, o qual, como era amigo da virtude, favorecia os Descalços. Era Monsenhor Nicolau Ormaneto. Faleceu tão pobre que o Rei teve de pagar as despesas do funeral. Veio, porém, outro, depois da morte dele – Monsenhor Filipe Sega – que parecia mesmo enviado por Deus para mortificar os Descalços. Prevenido desde Roma contra a Reforma e a Reformadora, disse em determinada ocasião que a Madre Teresa “era uma fémina inquieta e andarilha, que se desafogava em fingidos devaneios sob a capa da religião”. Assim são, por vezes, apreciados os santos neste mundo!
Posto o Rei D. Filipe ao corrente do que se passava entre Calçados e Descalços, tomara o partido destes, informado da verdade dos factos, a rogos de Santa Teresa, por sua irmã, D. Maria, Princesa de Espanha. Mandou El-Rei que não resolvesse os assuntos dos Descalços só o Núncio, mas que fosse auxiliado por quatro homens prudentes, que formavam o que nós chamaríamos hoje o Conselho da Nunciatura. Foi isto o que valeu à Reforma de Santa Teresa.
Os nomes dos consultores são os seguintes: P. Luís Manrique, Capelão-mor do Rei; P. Frei Lourenço de Villavicencio, O. S. A.; P. Frei Hernando del Castillo e Frei Pedro Hernandez, estes dois últimos da Ordem de S. Domingos. A primeira providência que tomaram estes homens prudentes foi tirar os Descalços da jurisdição dos Provinciais Calçados, sujeitando-os unicamente ao governo do P. Ângelo de Salazar, que já conhecemos, homem sensato, inteligente e favorável à Reforma. Foi assim que começou a amainar a tormenta e tornou a brilhar o sol, dissipando as nuvens negras da perseguição gratuita a Santa Teresa e à sua obra.
Queremos fazer constar aqui que o Núncio Sega, melhor informado e conhecendo a realidade dos factos, favoreceu e ajudou a Santa Madre nas suas últimas fundações. Por outras palavras: desfeitos os erros, começou o triunfo da verdade e Santa Teresa de Jesus, mais uma vez triunfante, abandonou o mosteiro de Toledo para ir pôr a cúpula ao edifício magnífico das suas fundações.


[Jaime Gil Diez, Santa Teresa, Edições Carmelo]