sexta-feira, 12 de agosto de 2011

CRÓNICA DUMA AULA INESPERADA! - Acampaula - 4 AGO'11

Quinta-feira, quatro de Agosto de dois mil e onze. Quinto dia do Vcampaki. São 10h da manhã.
O dia está sereno. Há sol, há pássaros a esvoaçar no céu, há lagartixas aqui e ali, fugindo desenfreadas e assustadas por entre as carumas dos pinheiros, há cheiro a terra fresca porque choveu de noite, há acampakis na Universidade do 5º Acampaki do Carmo Jovem.
Alguma curiosidade paira no ar uma vez que o convidado, segundo indicações do Guião do acampamento, é o Professor JC. Perante a sigla, os jovens acampakis gracejam se o formador será o Frei João Costa ou o próprio Jesus Cristo! Animados que estavam os petizes!
Perante o olhar fascinado e brilhante de todos, é delicadamente colocado numa espécie de trono (ou peanha) improvisado a imagem do Divino Menino Jesus de Praga, protector do espaço que a todos nos acolhe de forma tão calorosa.
O Menino ficou ali a olhar para nós. E nós para o Menino. E como de costume oferecemos-lhe a faixa do Movimento que sempre se oferece naquelas situações aos Professores. E ainda a respectiva fitinha no pulso. E depois, no final, como o costume, foi levado a todas as aldeias e apresentado a todos os acampakis… E todos os jovens acampakis ao Menino.
O olhar do Ricardo não era o menos brilhante. E era provavelmente o mais intrigado e preocupado. E tanto assim era que as palavras que lhe saíram denotaram a inquietude de ser forçado a falar, sem ser ele o chamado a falar. (Afinal de contas, os outros Professores também não surgiam devidamente identificados no Guião!)
Perante o embaraço do Ricardo misturado com a vontade de falar que notoriamente lhe embargava a voz, a assembleia de alunos desafiou Frei Ricardo de Santa Teresinha do Menino Jesus a falar-nos da sua experiência de vida e da forma como o Menino Jesus marcou e marca o seu percurso. Mas na realidade, o que queríamos perceber era a razão, o motivo, o fundamento, quiçá o click que fez lhe despertar a vontade de ingressar na Vida Religiosa, a vontade de mudar radicalmente de vida.
(O confusão gerada naquele momento de todo solene teve algo de caricato: O Frei Ricardo não era de todo para falar, pois pedira antecipadamente para não ser professor neste Acampaki. Mas a aparição do Menino Jesus impeliu-o a falar. E ele falou-nos num discurso sereno e distendido que nos apaixonou e enlevou. O que muito agradecemos, claro…)
Depois de alguma relutância em aceitar o convite, Frei Ricardo levou-nos numa viagem imaginária ao coração da Europa, especificamente à República Checa, a Praga e à Igreja carmelitana de Nossa Senhora da Vitória.
Falou três horas! Mas pareceram três minutos! Sim, três minutos porque nos deliciou com as suas palavras. Tal como um enamorado realça a beleza da sua amada, o Ricardo mostrou-nos claramente a sua paixão por Deus, por S. Teresa, por servir a Igreja a todos servindo.
No silêncio da Universidade do Acampaki aprendemos que a imagem do Menino Jesus tinha sido doada por uma família nobre aos Carmelitas Descalços de Praga, que a instalaram no oratório do seu convento recebendo homenagens especiais duas vezes por dia. Com a eclosão da Guerra dos Trinta Anos que envolveu diversas nações europeias (1618/48), as reuniões litúrgicas foram suspensas, nomeadamente porque em Novembro de 1631 as tropas de Gustavo Adolfo da Suécia tomaram as igrejas da cidade. O convento foi saqueado pelos soldados protestantes e a imagem do Menino Jesus foi escondida e ignorada por entre os escombros. Assim permaneceu até ser reencontrada em 1637, com os braços danificados. Depois de restaurada foi reentronizada e voltou a receber a devoção dos fiéis, sendo coroada pelo Bispo de Praga, em 1655, momento que é comemorado anualmente com uma Missa Solene, no dia da Ascensão.
Também em Portugal, é muito conhecida a devoção carmelita ao Divino Menino Jesus de Praga, assim o prova a existência do Convento de Avessadas a Ele dedicado há cinquenta anos!
Frei Ricardo destacou ainda o impacto que teve na sua história pessoal a visita realizada a este local, de elementos arquitectónicos simples, mas grandioso na dimensão espiritual. Salientou como este momento influenciou a sua tomada de decisão na escolha vocacional que fez. A par dele, o verdadeiro toque vocacional ocorreu com o perfume derramado sobre si próprio por Santa Teresinha do Menino Jesus aquando da peregrinação das suas relíquias a Portugal em finais de dois mil e cinco. O perfume que aumentou a chama da paixão, revolucionou a vida do Ricardo.
Frei Ricardo já servia a Igreja na sua comunidade de S. Pedro de Caíde de Rei, Lousada. Estava ligado a projectos diversos não só a nível da Igreja como também na sociedade civil. Durante a formação académica mostrou-se um líder entre os pares. Tinha uma vida profissional sólida que lhe permitia a tão desejada estabilidade. Tinha mas se calhar não tinha! E por isso se deixou apaixonar e arrebatar por uma nova filosofia de vida que lhe permitiria servir de forma mais alargada a Igreja. E foi este facto, o deixar tudo para traz, carreira, família, amigos, e entregar-se na Vida Religiosa que intrigava a assembleia que o escutava. Mas ao mesmo tempo fascinava-nos porque o que víamos e ouvíamos não era a utopia mas sim a construção passo a passo, degrau a degrau de uma nova pessoa envolvida numa nova relação de Amor, numa entrega alucinada para receber daquilo que aumenta o coração. Emocionava-me (e estou convencida que aos restantes também) a forma hesitante, porque não é fácil abrir o coração, mas ao mesmo tempo tranquila, porque sabe o que quer, com que nos contava as suas experiências. Como foi ouvindo, sentindo, experienciando os pequenos sinais, os pequenos grandes toques de Deus para a sua entrega total a Ele. Extraordinário foi perceber que a mesma capacidade de doação, de partilha, de entreajuda, que são pilares de uma relação matrimonial, estão também patentes nesta relação, só que os intervenientes não são um homem e uma mulher mas sim, neste caso, um homem que se entrega a Deus servindo a Igreja. Mas a capacidade de amar apaixonadamente e incondicionalmente são requisitos comuns a ambas as relações. Assim sendo, a opção de consagração na Vida Religiosa foi assumida de forma radical na Ordem dos Carmelitas Descalços. O Ricardo entende que ser Carmelita Descalço é uma opção de valentes, é ser testemunha de Deus no mundo que tanto anda distraído d’Ele.
À medida que construíamos no nosso imaginário a viagem realizada pelo Ricardo, fomos percebendo a necessidade de reflexão profunda para todas as decisões que todos temos de tomar na vida. Fomos percebendo como devemos estar atentos aos pequenos sinais com que Deus nos vai dando para nos chamar a Si. Fomos estimulados para O saber ouvir e aceitar, tornando-nos mensageiros da sua Palavra. Percebemos também que, à semelhança de todos nós, também os que sentem o chamamento do Senhor, são muitas vezes confrontados com dúvidas, com momentos menos bons. Porém, com perseverança, com oração, com a amizade jovem que nos une e com determinada determinação o percurso torna-se mais brando. Percebemos que, para tudo na vida, temos de estar apaixonados, pois pedras no caminho havemos sempre de encontrar muitas mas, como dizia o poeta, “guardo todas, um dia vou construir um castelo”.

Ana Margarida, Aldeia do Livro da Vida