sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

QUARTA-FEIRA DE CINZAS (II)

8 de Fevereiro
21:00 Igreja do Carmo de Aveiro
VIGÍLIA PENITENCIAL JOVEM

Quem vive na opulência e não reflecte
é semelhante aos animais que são abatidos.
(Salmo 49:21
)

Senhora, três leopardos brancos sob um zimbro
ao frescor do dia repousavam, saciados
de meus braços meu coração meu fígado e do que havia
na esfera oca do meu crânio. E disse Deus:
viverão tais ossos?
Tais ossosviverão? E o que pulsara outrora
nos ossos (secos agora) disse num cicio:
raças à bondade desta Damae à sua beleza, e porque ela
a meditar venera a Virgem,
é que em fulgor resplandecemos. E eu que estou aqui dissimulado
meus feitos ofereço ao esquecimento, e consagro meu amor
aos herdeiros do deserto e aos frutos ressequidos.
Isto é o que preserva
minhas vísceras a fonte de meus olhos e as partes indigestas
que os leopardos rejeitaram. A Dama retirou-se
de branco vestida, orando, de branco vestida.
Que a brancura dos ossos resgate o esquecimento.
A vida os excluiu. Como esquecido fui
e preferi que o fosse, também quero esquecer
assim contrito, absorto em devoção. E disse Deus:
profetiza ao vento e ao vento apenas, pois somente
o vento escutará. E os ossos cantaram em uníssono
com o estribilho dos grilos, sussurrando:

Senhora dos silêncios
serena e aflita
lacerada e indivisa
rosa da memória
rosa do oblívio
exânime e instigante
atormentada tranquila
a única Rosa em que
consiste agora o jardim
onde todo amor termina
extinto o tormento
do amor insatisfeito
da aflição maior ainda
do amor já satisfeito
fim da infinita
jornada sem termo
conclusão de tudo
o que não finda
fala sem palavra
e palavra sem fala
louvemos a Mãe
pelo Jardim
onde todo amor termina.

Cantavam os ossos sob um zimbro, dispersos e alvadios,
alegramo-nos de estar aqui dispersos,
pois uns aos outros bem nenhum fazíamos,
sob uma árvore ao frescor do ~a, com a bênção das areias,
esquecendo uns aos outros e a nós próprios, reunidos
na quietude do deserto. Eis a terra
que dividireis conforme a sorte. E partilha ou comunhão
não importam. Eis a terra. Nossa herança.

T. S. Eliot (1888-1965)
Tradução de Ivan Junqueira