terça-feira, 9 de março de 2010

Deus absconditus

.

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onde estás, Deus libertador .

que nos perguntam por ti e não te vemos?

. Deus escondido, onde estás?

. Devemos procurar-te entre os destroços,

. a cinza e as mãos cortadas como canas verdes,

. ou à frente das batalhas,

. entre os que caminham como o vento

. e as folhas das plantas, sensíveis à luz,

. entre os que vão de cabeça alta e regressam

. da servidão do saco e do tijolo

. os que acordados vêm,

. os pés recentemente desatados,

. a língua solta?

. Deus escondido, onde moras?

. devemos procurar-te entre as que fizeram o êxodo

. e começaram a amar,

. os que morrendo a si já ressuscitam

. os que rompem as muralhas da pele e pedem água?

. devemos procurar-te naqueles que sobem à montanha

. para molhar as mãos de luz e transfigurar-se?

. na solidão dos montes apalparei a tua face?

. na limpidez dos rios e a palavra

. com que fizeste o mundo verei a tua mão correndo?

. onde devemos esperar-te, Deus da surpresa

. e como nós trânsfuga?

. Deus dos que não têm voz nem barcos

. para na albufeira olhar a alma

. a crescer como a sombra dos pinheiros

. anoitece a alma e o rio,

. Deus gratuito, onde estás?

. devemos procurar-te na poesia e no canto,

. no amor e na beleza,

. na barraca e no lixo?

. onde apareces, Deus amigo dos pobres,

. onde te acharemos, Deus libertador?

. [José Augusto Mourão - In O Nome e a Forma, ed. Pedra Angular] .