Dia 3 - 3 de Maio
In obsequio Iesu Christi
O segundo dia de carminhada foi longo. O de hoje parece ser mais. O dia de hoje vai ser mais. Mais longo. Mais caminho. Mais quilómetros. Mais cânticos. Mais natureza. Mais sol. Mais peregrinos. Mais amizade. Mais searas. Mais passarinhos. Mais, simplesmente mais. Hoje é o dia mais.
O segundo dia foi longo. Tão longo que a sua longinquidade tornará curta a noite. Ao despertar não haverá tun-tuns, mas sininhos e música de anjos. No carmelo das maravilhas da Alice é assim! Sininhos, miminhos, música e demais (sim demais e demasiadas) carícias que fazem as delícias dos peregrinos e os deixam com ânsias de voltar ao lar. No Centro o despertar foi mais prosaico: a Verónica estava à porta para nos levar, e nós estávamos em Vale de Sacos de Cama. Mas rapidamente nos recompomos como se nada nos doesse, nem o caminho por andar nem o caminho já andado. E num santiámen já nos vemos estrada acima, estrada abaixo. À procura da outra parte dos peregrinos. Passámos pelo Carmelo onde tudo está pronto, formámos a caravana e eis-nos, enquanto tudo dorme, a caminho da Gala. Paramos na Gala para rezar e iniciar a nossa jornada In Obsequio Iesu Christi. E aquilo é que foi rezar! Escolhemos o mesmo local do ano passado. E passou-se um caso: passou-se que ou já não nos lembrávamos ou se deu um agravamento das condições. À medida que íamos rezando um enxame de melgas pairou sobre nós e foi mordiscando caras e braços, pés e pernas fazendo um inferno tal que só no Inferno pode haver. Nós aguentamos firmes, não sem distribuir alguns estalos caridosos nos companheiros e companheiras procurando eliminar as terríveis feras. Mas sem sucesso. Foram mais os estalos em vão (Perdoai-nos, Senhor! Misericórdia, Senhor! Miserere nobis, Domine! Kyrie eleison!) que bestas abatidas. Mas aguentámos firmes e rezámos. Quando foi possível fugimos, antes que fôssemos sugados para o ventre de tão mesquinhos bichos!
Fomos tomar um café para espairecer do terrível ataque e despertar os neurónios. E já os mais lentos tinham avançado alguns passos quando, à vista das feras, nos reunimos de novo para as Pistas, que, hoje, são muito simples: seguindo uma tradição antiga e popular, hoje, dia 3 de Maio, antigo dia da Santa Cruz, diremos mil vezes o nome de Jesus! E lá partimos em silêncio, de terço na mão e o Santo Nome de Jesus nos lábios.
1,2,3,4,5,6…
A manhã ainda é bebé quando nos afoitamos ao caminho suave. É sábado e todo o mundo dorme, estradas e caminhos inclusive. O caminho é manso e suave, os carros e os camiões dão-nos tréguas. O sol vai despontando timidamente. O perfume dos pinheiros invade os pulmões e refrescam-nos. A natureza canta e grita de alegria à nossa passagem. Há pinheiros e campos, roseirais e casas semi-adormecidas, cebolais e trigais que nos saúdam e animam. Damos um passo e mais um passo, e lá vamos dizendo, Jesus, Jesus, Jesus, Jesus.
222,223,224,225,226,227…. O caminho começa a subir e os bofes a sair. Alguém que se cruza comigo dá-me os bons dias e em troca escuta: - Jesus, Jesus! Foi sem querer, mas foi a resposta mais bonita que se poderia dar. É que dizer Jesus é dizer Salvador, salvação, alegria, fé e festa! A senhora há-de ter compreendido certamente! E talvez até agradecido.
500,501,502,503,504,505,506,507,508…
O caminho está este ano mais complicado. Ao lado da EN 109 nasceu a A17. Sempre que a A17 desagua na EN109 nasceram rotundas imensas.
667,668,669…
E o aparecimento de rotundas significa o aumento de complicações para quem caminha a pé. Porém, apesar de mais este contratempo lá avançamos generosos e com ânsias de que a coisa termine. Não é que seja coisa ruim ou má, mas antes o desejo de alcançar o proposto, vencer os obstáculos, encurtar as distâncias, saciarmo-nos da paz do Santuário, subir para Deus, entrar para o seu coração, adormecer no seu peito, confidenciar-lhe o que não pode ser dito no recôndito dos quartos nem nas veredas dos caminhos.
888,889,890,891,892,893,894…
E lá continuámos. Uns ligeiros, os veteranos. Outros mais cansados, os principiantes. Mas em todos há vontade e garra de avançar. E vamos avançando durante grande parte da manhã em silêncio.
921,922,923,924,925…
Avançamos, avançamos, avançamos sem medo. Sem medo avançamos, porque Jesus vai connosco.
999,1000. Mil vezes! Mil vezes! Mil vezes Jesus!
Mil vezes, Jesus!
Sempre Jesus!
Mil vezes mil, Jesus!
Sempre Jesus!
Sempre Jesus nos lábios!
Sempre Jesus no coração!
Sempre Jesus nas lágrimas!
Sempre Jesus nas preces!
Sempre Jesus nas saudades!
Sempre Jesus nas palavras!
Sempre Jesus nos pensamentos!
Sempre, Jesus sempre!
Sempre Jesus nos sentimentos!
Sempre Jesus nos passos!
Sempre, sempre Jesus!
Sempre, sempre o seu Santo Nome!
Sempre connosco!
Sempre em toda a parte!
Sempre por dentro como um afago!
Sempre por fora como um agasalho!
Sempre Jesus como uma armadura!
Sempre Jesus! Mil vezes Jesus!
Mil vezes sempre mil vezes vezes mil, Jesus sempre!
Quando chega a hora do reforço esticámo-nos no chão. Esticámo-nos, não! Há quem prefira continuar e evitar a tortura do levantar e do pôr em andamento a carcaça, essa velha máquina a vapor tão lenta, mas tão fiel e sólida. A carcaça, a máquina a vapor, o corpo ou o irmão burro (como lhe chamava S. Francisco) é tudo o mesmo!
Durante a manhã caminhamos seis horas. Há quem diga que a média são 5 quilómetros por hora. Mas talvez seja mais. Hoje é o dia mais. O céu pejado de nuvens ameaça chuva. Chegamos por fim à Ilha e a um cafezito simpático que no ano passado nos livrara do frio. Abancámos aí. O café está mais acolhedor, mercê dum corta-vento cuja ausência no ano passado tanto lamentámos. Comemos os pães que a prioresa do carmelo de Alhadas nos deu. E comemos também uns frangos de churrasco. E até comíamos mais. Mas nem as sandes eram mais, nem a inexperiência nos fez comprar mais churrasco. Mas ficámos bem, graças a Deus.
Depois da refeição esticámos as pernas e demais ossos do esqueleto. Há quem durma a sesta e quem alongue as pernas pelas paredes acima. Cada um arranja a estratégia que lhe traga mais conforto.
Custou deveras voltar ao caminho. Mas uma vez ali nada nos deteve. Nem as flores nem as feras.
O percurso da tarde é tão belo quanto o da manhã, mas com mais peregrinos. Vão muitos peregrinos connosco. Uns rezam, outros cantam, outros riem. E todos sofremos. Alguns, que ultrapassámos, já os conhecemos de jornadas anteriores. São breves reencontros, porque logo os passamos e seguimos em frente. Depois do terço vêm os cânticos e depois dos cânticos as histórias e depois destas as confidências. E no fim de tudo o amor. E sempre o amor. Ámen, Jesus. Que aquilo que aqui fazemos não é mais que obsequio Iesu Christi, serviço e seguimento do Mestre.
Foi talvez a jornada em que durante mais tempo caminhámos em grupo. Os pés já não temem a estrada nem o corpo as dores. Por isso vamos. Há concerteza gente em dificuldades, mas como estamos cada vez mais perto ninguém desanima ou se poupa.
Há quem caminhe só, em silêncio, buscando, ao que dizem, respostas a perguntas que só o tempo e a solidão trazem à alma. Há quem caminhe lado a lado, como os de Emaús, mas sempre mantendo o preceito de ouvir o que Ele diz, e «dizer o que Ele diz, mas só o que Ele diz que é para dizer».
Chegamos por fim ao Barracão, fim da nossa terceira jornada. O Barracão foi mais uma vez para nós um zénit e um bom augúrio: quem chega ali chega ao fim.
Rapidamente as carrinhas nos devolvem à Ilha, ao Centro Social e Paroquial. Mais uma vez somos ali bem recebidos pelo pessoal da Casa que nos recebe em nome do Reverendo Pe Nogueira. Ali houve tempo para tudo, até para um dos nossos actores amadores vender sardinha numa canasta sem sardinha. O azar dele foi que o povo tem dinheiro e fome de sardinha, mas como ele não tinha sardinha teve de ter lata para sair airosamente da situação.
Depois de refrescados rezámos Vésperas calmamente e calmamente meditámos mais um trecho da nossa Regra. Após a oração comemos uma sopa opípera, que até aqueles que não gostam de sopa comeram. É certo que não havia mais nada, mas nem era preciso. Sopa gostosa como aquela já não comíamos há um ano, quando ali ficáramos alojados.
Seguiu-se nova sessão de bolhas, a segunda do dia. E ainda haveria uma terceira que só terminaria depois da uma da manhã. Pelo bem-estar dos peregrinos nada se poupa, nem o sono.
A noite só terminou com um longa celebração de partilha e perdão, como manda a Regra, que recomenda que quando necessário se partilhe a vida comunitária e se corrijam as faltas com caridade. Foi um momento cálido, belo e fraterno que uniu muitíssimo o grupo. Como ali se falaram e se choraram as coisas passadas e sofridas no grupo o narrador lança aqui um véu para que apenas se entreveja sem ver o que ali se passou e celebrou. Seguiu-se depois, como já se disse, a terceira sessão de fura bolhas. À nossa espera estava de novo o chão duro, mas quem pode achar duro o chão se nem tempo tem para pensar, porque se se põe a pensar longo chega a hora de despertar?
Vamos dormir, pois. Fomos, pois, dormir. In Obsequio Iesu Christi. Ámen.
In obsequio Iesu Christi
O segundo dia de carminhada foi longo. O de hoje parece ser mais. O dia de hoje vai ser mais. Mais longo. Mais caminho. Mais quilómetros. Mais cânticos. Mais natureza. Mais sol. Mais peregrinos. Mais amizade. Mais searas. Mais passarinhos. Mais, simplesmente mais. Hoje é o dia mais.
O segundo dia foi longo. Tão longo que a sua longinquidade tornará curta a noite. Ao despertar não haverá tun-tuns, mas sininhos e música de anjos. No carmelo das maravilhas da Alice é assim! Sininhos, miminhos, música e demais (sim demais e demasiadas) carícias que fazem as delícias dos peregrinos e os deixam com ânsias de voltar ao lar. No Centro o despertar foi mais prosaico: a Verónica estava à porta para nos levar, e nós estávamos em Vale de Sacos de Cama. Mas rapidamente nos recompomos como se nada nos doesse, nem o caminho por andar nem o caminho já andado. E num santiámen já nos vemos estrada acima, estrada abaixo. À procura da outra parte dos peregrinos. Passámos pelo Carmelo onde tudo está pronto, formámos a caravana e eis-nos, enquanto tudo dorme, a caminho da Gala. Paramos na Gala para rezar e iniciar a nossa jornada In Obsequio Iesu Christi. E aquilo é que foi rezar! Escolhemos o mesmo local do ano passado. E passou-se um caso: passou-se que ou já não nos lembrávamos ou se deu um agravamento das condições. À medida que íamos rezando um enxame de melgas pairou sobre nós e foi mordiscando caras e braços, pés e pernas fazendo um inferno tal que só no Inferno pode haver. Nós aguentamos firmes, não sem distribuir alguns estalos caridosos nos companheiros e companheiras procurando eliminar as terríveis feras. Mas sem sucesso. Foram mais os estalos em vão (Perdoai-nos, Senhor! Misericórdia, Senhor! Miserere nobis, Domine! Kyrie eleison!) que bestas abatidas. Mas aguentámos firmes e rezámos. Quando foi possível fugimos, antes que fôssemos sugados para o ventre de tão mesquinhos bichos!
Fomos tomar um café para espairecer do terrível ataque e despertar os neurónios. E já os mais lentos tinham avançado alguns passos quando, à vista das feras, nos reunimos de novo para as Pistas, que, hoje, são muito simples: seguindo uma tradição antiga e popular, hoje, dia 3 de Maio, antigo dia da Santa Cruz, diremos mil vezes o nome de Jesus! E lá partimos em silêncio, de terço na mão e o Santo Nome de Jesus nos lábios.
1,2,3,4,5,6…
A manhã ainda é bebé quando nos afoitamos ao caminho suave. É sábado e todo o mundo dorme, estradas e caminhos inclusive. O caminho é manso e suave, os carros e os camiões dão-nos tréguas. O sol vai despontando timidamente. O perfume dos pinheiros invade os pulmões e refrescam-nos. A natureza canta e grita de alegria à nossa passagem. Há pinheiros e campos, roseirais e casas semi-adormecidas, cebolais e trigais que nos saúdam e animam. Damos um passo e mais um passo, e lá vamos dizendo, Jesus, Jesus, Jesus, Jesus.
222,223,224,225,226,227…. O caminho começa a subir e os bofes a sair. Alguém que se cruza comigo dá-me os bons dias e em troca escuta: - Jesus, Jesus! Foi sem querer, mas foi a resposta mais bonita que se poderia dar. É que dizer Jesus é dizer Salvador, salvação, alegria, fé e festa! A senhora há-de ter compreendido certamente! E talvez até agradecido.
500,501,502,503,504,505,506,507,508…
O caminho está este ano mais complicado. Ao lado da EN 109 nasceu a A17. Sempre que a A17 desagua na EN109 nasceram rotundas imensas.
667,668,669…
E o aparecimento de rotundas significa o aumento de complicações para quem caminha a pé. Porém, apesar de mais este contratempo lá avançamos generosos e com ânsias de que a coisa termine. Não é que seja coisa ruim ou má, mas antes o desejo de alcançar o proposto, vencer os obstáculos, encurtar as distâncias, saciarmo-nos da paz do Santuário, subir para Deus, entrar para o seu coração, adormecer no seu peito, confidenciar-lhe o que não pode ser dito no recôndito dos quartos nem nas veredas dos caminhos.
888,889,890,891,892,893,894…
E lá continuámos. Uns ligeiros, os veteranos. Outros mais cansados, os principiantes. Mas em todos há vontade e garra de avançar. E vamos avançando durante grande parte da manhã em silêncio.
921,922,923,924,925…
Avançamos, avançamos, avançamos sem medo. Sem medo avançamos, porque Jesus vai connosco.
999,1000. Mil vezes! Mil vezes! Mil vezes Jesus!
Mil vezes, Jesus!
Sempre Jesus!
Mil vezes mil, Jesus!
Sempre Jesus!
Sempre Jesus nos lábios!
Sempre Jesus no coração!
Sempre Jesus nas lágrimas!
Sempre Jesus nas preces!
Sempre Jesus nas saudades!
Sempre Jesus nas palavras!
Sempre Jesus nos pensamentos!
Sempre, Jesus sempre!
Sempre Jesus nos sentimentos!
Sempre Jesus nos passos!
Sempre, sempre Jesus!
Sempre, sempre o seu Santo Nome!
Sempre connosco!
Sempre em toda a parte!
Sempre por dentro como um afago!
Sempre por fora como um agasalho!
Sempre Jesus como uma armadura!
Sempre Jesus! Mil vezes Jesus!
Mil vezes sempre mil vezes vezes mil, Jesus sempre!
Quando chega a hora do reforço esticámo-nos no chão. Esticámo-nos, não! Há quem prefira continuar e evitar a tortura do levantar e do pôr em andamento a carcaça, essa velha máquina a vapor tão lenta, mas tão fiel e sólida. A carcaça, a máquina a vapor, o corpo ou o irmão burro (como lhe chamava S. Francisco) é tudo o mesmo!
Durante a manhã caminhamos seis horas. Há quem diga que a média são 5 quilómetros por hora. Mas talvez seja mais. Hoje é o dia mais. O céu pejado de nuvens ameaça chuva. Chegamos por fim à Ilha e a um cafezito simpático que no ano passado nos livrara do frio. Abancámos aí. O café está mais acolhedor, mercê dum corta-vento cuja ausência no ano passado tanto lamentámos. Comemos os pães que a prioresa do carmelo de Alhadas nos deu. E comemos também uns frangos de churrasco. E até comíamos mais. Mas nem as sandes eram mais, nem a inexperiência nos fez comprar mais churrasco. Mas ficámos bem, graças a Deus.
Depois da refeição esticámos as pernas e demais ossos do esqueleto. Há quem durma a sesta e quem alongue as pernas pelas paredes acima. Cada um arranja a estratégia que lhe traga mais conforto.
Custou deveras voltar ao caminho. Mas uma vez ali nada nos deteve. Nem as flores nem as feras.
O percurso da tarde é tão belo quanto o da manhã, mas com mais peregrinos. Vão muitos peregrinos connosco. Uns rezam, outros cantam, outros riem. E todos sofremos. Alguns, que ultrapassámos, já os conhecemos de jornadas anteriores. São breves reencontros, porque logo os passamos e seguimos em frente. Depois do terço vêm os cânticos e depois dos cânticos as histórias e depois destas as confidências. E no fim de tudo o amor. E sempre o amor. Ámen, Jesus. Que aquilo que aqui fazemos não é mais que obsequio Iesu Christi, serviço e seguimento do Mestre.
Foi talvez a jornada em que durante mais tempo caminhámos em grupo. Os pés já não temem a estrada nem o corpo as dores. Por isso vamos. Há concerteza gente em dificuldades, mas como estamos cada vez mais perto ninguém desanima ou se poupa.
Há quem caminhe só, em silêncio, buscando, ao que dizem, respostas a perguntas que só o tempo e a solidão trazem à alma. Há quem caminhe lado a lado, como os de Emaús, mas sempre mantendo o preceito de ouvir o que Ele diz, e «dizer o que Ele diz, mas só o que Ele diz que é para dizer».
Chegamos por fim ao Barracão, fim da nossa terceira jornada. O Barracão foi mais uma vez para nós um zénit e um bom augúrio: quem chega ali chega ao fim.
Rapidamente as carrinhas nos devolvem à Ilha, ao Centro Social e Paroquial. Mais uma vez somos ali bem recebidos pelo pessoal da Casa que nos recebe em nome do Reverendo Pe Nogueira. Ali houve tempo para tudo, até para um dos nossos actores amadores vender sardinha numa canasta sem sardinha. O azar dele foi que o povo tem dinheiro e fome de sardinha, mas como ele não tinha sardinha teve de ter lata para sair airosamente da situação.
Depois de refrescados rezámos Vésperas calmamente e calmamente meditámos mais um trecho da nossa Regra. Após a oração comemos uma sopa opípera, que até aqueles que não gostam de sopa comeram. É certo que não havia mais nada, mas nem era preciso. Sopa gostosa como aquela já não comíamos há um ano, quando ali ficáramos alojados.
Seguiu-se nova sessão de bolhas, a segunda do dia. E ainda haveria uma terceira que só terminaria depois da uma da manhã. Pelo bem-estar dos peregrinos nada se poupa, nem o sono.
A noite só terminou com um longa celebração de partilha e perdão, como manda a Regra, que recomenda que quando necessário se partilhe a vida comunitária e se corrijam as faltas com caridade. Foi um momento cálido, belo e fraterno que uniu muitíssimo o grupo. Como ali se falaram e se choraram as coisas passadas e sofridas no grupo o narrador lança aqui um véu para que apenas se entreveja sem ver o que ali se passou e celebrou. Seguiu-se depois, como já se disse, a terceira sessão de fura bolhas. À nossa espera estava de novo o chão duro, mas quem pode achar duro o chão se nem tempo tem para pensar, porque se se põe a pensar longo chega a hora de despertar?
Vamos dormir, pois. Fomos, pois, dormir. In Obsequio Iesu Christi. Ámen.