Dia 4 - 4 de Maio
Reconheceram-n’O ao partir do Pão!
Este ano ninguém me engana, pensei. E se bem pensei, melhor o fiz. Deitei o meu saco cama longe da sala dos motores, motorizadas e trotinetes dos meus companheiros. Fui dormir para um recanto do corredor. O que eu não contava era com a Ronca da Barra. Como se sabe a Ronca da Barra está lá para avisar os navios que devem fugir dos baixios e dos escolhos da beira-mar. Eu devia saber, mas tirei a prova bem tirada quando mesmo longe eu continuava sem querer navegar, mas a ter de aturar a Ronca que roncou para a esquerda quando virada para a esquerda e roncou para a direita quando virada para a direita. Ó que noite feliz teve a Ronca da Barra!
Também isto é peregrinação.
Por fim o dia raiou. (Ou quase raiou, porque nos voltaram a acordar às 05h00!) A maioria dormiu bem, porque Deus tinha-nos dado um chão tão fofo (ou um sono assaz pesado) para descansarmos, que todos nos levantamos frescos como alfaces.
O programa mandava celebrar Missa às 05h30. E só isso me levantou, que de contrário não me levantaria nem que me chamassem doze vezes (Andaria ainda por ali a Ronca?) Tinham-nos dito que a Missa seria de peregrino e não de beduíno. Ninguém descortinou o que isso fosse ou quisesse dizer, mas também o certo é que aquelas não são horas para muito pensar, mas para muito amar. Por essa razão, estando ainda muitos corpos a reclamar pela cama já os pés caminhavam. Nada havia a fazer. Ou melhor haver havia, caminhar. E Ele vai connosco! Pronto a dar-se a conhecer.
Pela frente estão outras seis horas de caminho, outros 30 quilómetros a fazer. Ou talvez mais porque subir a encosta de Santa Catarina da Serra não é pêra doce, é pereira amarga.
Lá fomos ligeiros, serenos e audazes que é ao que aquele vale prévio imenso convida.
Vencida a serra chegamos a Fátima. Ninguém desistiu, porque quando falharam as forças não falhou o coração. Se não foi o próprio foi o dos companheiros: há sempre um coração grande para nos animar, rezar, acompanhar, empurrar, puxar, eu sei lá, há sempre um coração que nos leva a Fátima… A espera na Rotunda Norte foi assaz breve, pouco mais duma quinzena de minutos. Quase nada custou juntar os quase trinta peregrinos a pedantes. Dali para o Santuário foi um salto. Ali entramos de forma organizada que dava gosto ver. Depois cada um ficou sereno e calmo, sem pressas nem pressões, diante do olhar de Deus e junto do coração da Mãe. Chegada a hora deixámos a Nossa Senhora a pedra de cada um (aquilo foi é que foi um monte grande de pedras pequenas. Não dá para uma construção, mas dá para ajudar!) e, mais leves, cumprimos a última etapa: alcançámos a Domus Carmeli, jovial e garbosa, que nos acolheu de braços abertos. Cumprido o preceito de aconchegar o estômago, passamos ainda pela Capela. Ali, no chão, brilhavam as flores que as carmelitas do Carmelo de São José nos ofereceram para oferecermos às nossas mães. A oração ali rezada rezava a nossa acção de graças pela meta alcançada, e pelo caminho caminhado na presença santa e bondosa do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
Presidiu amavelmente à oração o Padre Provincial, Frei Pedro Ferreira, que nos disse palavras boas e outras esperançadoras como estas: «Se ninguém mais vo-lo disser, digo-vo-lo eu: a vossa peregrinação, as vossas dores e os vossos sofrimentos foram aceites no Céu! Estai certos disso! Estai certos de que ninguém, nem vós!, podereis retirar de lá o que lá acabais de lançar!» Ou porque o tempo urgisse ou porque muito tivéssemos rezado, não custou nada entrar nos carros (coisa rara!). Talvez fosse por ser dia da mãe. Talvez fosse por ainda faltar uma larga jornada até ao colo materno. Talvez fosse, não sei. Sei que depois de entrar no carro adormeci. Tinham-me perguntado se estava feliz, mas adormeci. Julgo que não respondi. Pelo menos com a boca. Mas se um homem adormece como um menino, que outra resposta se pode esperar à pergunta se está feliz?
Quando despertei estava em Aveiro. Parámos diante do olhar de São João da Cruz. Ali ficámos uns, e outros seguiram. Não houve choros nem lágrimas. Algumas saudades, apenas. Dia 24 já nos veremos novamente. Como se tivéssemos andado a roubar, rapidamente nos separámos e cada um foi à sua vida. Eu sei que não foi assim, mas diz-se assim para dizer todo o cofre cheio de desejos de chegar ainda hoje a casa com tempo e com luz para receber beijos, muitos beijos das mães e dar-lhes os beijos que elas merecem e que a Mãe do Céu mandou dar-lhe.
(E como são diferentes os beijos depois duma peregrinação!)
E acaba aqui a crónica. Mas não acaba aqui a peregrinação, porque como dizia o último SMS «O regresso a casa é a etapa mais difícil da Peregrinação». Se é, seja. O ano que vem o dirá. Que até lá Deus nos abençoe.
Que até lá, sobre todos os jovens carmelitas, que em peregrinação a pé a Fátima celebraram os 800 anos da Regra do Carmo:
Se abra a estrada à sua frente.Sopre levemente o vento nas suas costas.Brilhe cálido e suave o sol sobre a sua cara.Caia de mansinho a chuva nos seus campos. E até que de novo nos encontremos, Deus os guarde na palma de suas mãos...
Reconheceram-n’O ao partir do Pão!
Este ano ninguém me engana, pensei. E se bem pensei, melhor o fiz. Deitei o meu saco cama longe da sala dos motores, motorizadas e trotinetes dos meus companheiros. Fui dormir para um recanto do corredor. O que eu não contava era com a Ronca da Barra. Como se sabe a Ronca da Barra está lá para avisar os navios que devem fugir dos baixios e dos escolhos da beira-mar. Eu devia saber, mas tirei a prova bem tirada quando mesmo longe eu continuava sem querer navegar, mas a ter de aturar a Ronca que roncou para a esquerda quando virada para a esquerda e roncou para a direita quando virada para a direita. Ó que noite feliz teve a Ronca da Barra!
Também isto é peregrinação.
Por fim o dia raiou. (Ou quase raiou, porque nos voltaram a acordar às 05h00!) A maioria dormiu bem, porque Deus tinha-nos dado um chão tão fofo (ou um sono assaz pesado) para descansarmos, que todos nos levantamos frescos como alfaces.
O programa mandava celebrar Missa às 05h30. E só isso me levantou, que de contrário não me levantaria nem que me chamassem doze vezes (Andaria ainda por ali a Ronca?) Tinham-nos dito que a Missa seria de peregrino e não de beduíno. Ninguém descortinou o que isso fosse ou quisesse dizer, mas também o certo é que aquelas não são horas para muito pensar, mas para muito amar. Por essa razão, estando ainda muitos corpos a reclamar pela cama já os pés caminhavam. Nada havia a fazer. Ou melhor haver havia, caminhar. E Ele vai connosco! Pronto a dar-se a conhecer.
Pela frente estão outras seis horas de caminho, outros 30 quilómetros a fazer. Ou talvez mais porque subir a encosta de Santa Catarina da Serra não é pêra doce, é pereira amarga.
Lá fomos ligeiros, serenos e audazes que é ao que aquele vale prévio imenso convida.
Vencida a serra chegamos a Fátima. Ninguém desistiu, porque quando falharam as forças não falhou o coração. Se não foi o próprio foi o dos companheiros: há sempre um coração grande para nos animar, rezar, acompanhar, empurrar, puxar, eu sei lá, há sempre um coração que nos leva a Fátima… A espera na Rotunda Norte foi assaz breve, pouco mais duma quinzena de minutos. Quase nada custou juntar os quase trinta peregrinos a pedantes. Dali para o Santuário foi um salto. Ali entramos de forma organizada que dava gosto ver. Depois cada um ficou sereno e calmo, sem pressas nem pressões, diante do olhar de Deus e junto do coração da Mãe. Chegada a hora deixámos a Nossa Senhora a pedra de cada um (aquilo foi é que foi um monte grande de pedras pequenas. Não dá para uma construção, mas dá para ajudar!) e, mais leves, cumprimos a última etapa: alcançámos a Domus Carmeli, jovial e garbosa, que nos acolheu de braços abertos. Cumprido o preceito de aconchegar o estômago, passamos ainda pela Capela. Ali, no chão, brilhavam as flores que as carmelitas do Carmelo de São José nos ofereceram para oferecermos às nossas mães. A oração ali rezada rezava a nossa acção de graças pela meta alcançada, e pelo caminho caminhado na presença santa e bondosa do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
Presidiu amavelmente à oração o Padre Provincial, Frei Pedro Ferreira, que nos disse palavras boas e outras esperançadoras como estas: «Se ninguém mais vo-lo disser, digo-vo-lo eu: a vossa peregrinação, as vossas dores e os vossos sofrimentos foram aceites no Céu! Estai certos disso! Estai certos de que ninguém, nem vós!, podereis retirar de lá o que lá acabais de lançar!» Ou porque o tempo urgisse ou porque muito tivéssemos rezado, não custou nada entrar nos carros (coisa rara!). Talvez fosse por ser dia da mãe. Talvez fosse por ainda faltar uma larga jornada até ao colo materno. Talvez fosse, não sei. Sei que depois de entrar no carro adormeci. Tinham-me perguntado se estava feliz, mas adormeci. Julgo que não respondi. Pelo menos com a boca. Mas se um homem adormece como um menino, que outra resposta se pode esperar à pergunta se está feliz?
Quando despertei estava em Aveiro. Parámos diante do olhar de São João da Cruz. Ali ficámos uns, e outros seguiram. Não houve choros nem lágrimas. Algumas saudades, apenas. Dia 24 já nos veremos novamente. Como se tivéssemos andado a roubar, rapidamente nos separámos e cada um foi à sua vida. Eu sei que não foi assim, mas diz-se assim para dizer todo o cofre cheio de desejos de chegar ainda hoje a casa com tempo e com luz para receber beijos, muitos beijos das mães e dar-lhes os beijos que elas merecem e que a Mãe do Céu mandou dar-lhe.
(E como são diferentes os beijos depois duma peregrinação!)
E acaba aqui a crónica. Mas não acaba aqui a peregrinação, porque como dizia o último SMS «O regresso a casa é a etapa mais difícil da Peregrinação». Se é, seja. O ano que vem o dirá. Que até lá Deus nos abençoe.
Que até lá, sobre todos os jovens carmelitas, que em peregrinação a pé a Fátima celebraram os 800 anos da Regra do Carmo:
Se abra a estrada à sua frente.Sopre levemente o vento nas suas costas.Brilhe cálido e suave o sol sobre a sua cara.Caia de mansinho a chuva nos seus campos. E até que de novo nos encontremos, Deus os guarde na palma de suas mãos...