segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Crónica do Acamapki, o segundo Acampaki Júnior


PARA O ANO PODEMOS CHORAR MAIS?


Cogitar
As coisas são como são. Todos sabemos disso.
E para que as coisas sejam e marchem bem é necessário muita marcha prévia, muito suor e alguma imaginação. Estava posto o escriba com estas e outros serenas cogitações, quando o assento à beira Lima plantado estremeceu porque, dizia o lado de lá do telefone, junto à porta da Quinta do Menino Jesus de Praga de Deão se encontravam já alguns acampaakids. A hora era a certa, o que não se esperava é que os kids de mais perto fossem os primeiros a chegar. Afinal os vizinhos da igreja chegam já a Missa foi começada! Mas era verdade, elas estavam lá e era preciso abrir-lhes a porta.
(O Acampaaki Júnior tinha efectivamente começado. Porém, por razão certa, costumamos nós dizer que ele começa muito antes mesmo de nele nos inscrevermos…) Estamos em Acampaaki! Ala, vamos!

Chegada
A Coordenação lá foi para Deão, eu fiquei pelo Convento nesses dias deserto de frades. As últimas tralhas estavam carregadas, por isso a partida foi rápida. E rápida foi também a viagem. Apesar de tudo, surpresa à chegada!
Ao chegar estavam à espera quase todos os acampaakids, os de longe e os de perto. Aberta a porta daquele quase-paraíso terreal a primeira tarefa foi a montagem das tendas por aldeias. Acabada a tarefa os monitores orientaram-se para preparar o jantar com as pequenas partilhas trazidas, os kids atiraram-se vorazmente à água. A piscina revelou-se quente como quente estava o dia rodeado de fogueiras, aqui e além no horizonte. Apesar do quente da água permanecia ainda um restinho de gelo frio que acabaria por desvanecer-se com o suave avançar das horas.
O jantar foi, como serão todos os outros, debaixo da ramada, num cantinho duma leira. A tarde foi-se indo e caiu a noite. Desceu o sol, subiram as estrelas. Nasceram as luzes e fomos caindo na real. Afinal, existem regras e necessidades para cumprir. Não se pode andar sempre a nadar ou a jogar às cartas. É preciso pôr a mesa, levantar e lavar os pratos, recolher as toalhas, limpar a cozinha, deixar tudo em ordem.
Para surpresa de uns e de outros e talvez de todos, tudo se fez. As raparigas com jeito e os rapazes à procura dele.
Entretanto, caída a noite refresca-se o ambiente. O Santuário de Nossa Senhora do Acampáki está pronto e a Universidade também. Pelas dez da noite iniciámos a subida da pequena encosta que nos introduz no sabor do saber e na fragância da oração. Nas mãos vão lanternas que nos avisam das irregularidades do caminho.


Apresentação
Na apresentação do primeiro Júnior cada um houve de desunhar-se para fazer uma caricatura sua. E de explicá-la. A grande maioria não quer repetir a façanha e se são levados a fazê-lo é só para que abram ainda mais as janelas. A verdadeira prova porém obrigar-nos-á a reescrever uma canção à escolha cuja letra espelhe preferências, defeitos, virtudes, proveniência.
(Silêncio, a hora que segue é para criativos!)
Quinze minutos depois começou a chuva de estrelas. E houve quem sentado no chão do jardim de eucaliptos visse estrelas cadentes. Eu vi e todos vimos estrelas, mais relutantes umas que outras, apresentando-se despojadas e verdadeiras. Estava lá tudo da vida de cada um, estava lá todo o Acampaaki Júnior que ainda só está a começar. A enganosa temperatura descera bastante. Mas ali ficámos por um bom par de horas. Já era muito tarde quando descemos do monte depois das canções, apresentações, regras e orações. Era tarde, bastante tarde, mas a noite parece que não vai ficar por aqui. À medida que nos aproximámos das aldeias o sono espanta-se e estalam as traquinices. Nada de maior, porém. Quando as luzes se apagam os pimpolhos estão já metidos nas tendas. Sim nas tendas, mas pouco convencidos de que devem dormir. E não dormirão tão cedo. Um risinho aqui, um espirro ali, além um cochicho, um chichi incomodativo, outro inoportuno, mais um – este rebelde! -, e outro inesperado e surpreendente, levaram a que a noite se estendesse pela madrugada fora. Nada feito. Houve monitores que não dormiram. Mas o dia será mais longo do que certamente esperarão. Esperem, pois.
Este foi o primeiro dia. Um dia em cheio. «Procurai ser simpáticos com todos», foram as últimas palavras de S. Teresa que levámos no coração ao entrar nas tendas.

Novo dia, segundo dia
Estava dito que o Acampaaki tem regras. E tem. Tem de ter. Por isso, acontecesse o que acontecesse à hora combinada soou a cabra. Soou a cabra? Sim, soou mas parece que ninguém ouviu! Ai não, então que soe novamente. Que soe aqui e ali, nesta e naquela aldeia, nesta e naquela tenda, e na outra e na seguinte até á última. Quem isto ler fique sabendo que não havia ali revancha alguma, mas espírito acampaaki. É preciso levantar rápido passar às abluções matinais e dali ao pequeno-almoço e deste para o Santuário e do louvor ao Senhor para a Universidade. Sim, leitor, você sabe isso, mas os acampaakids não. Ou não sabem ou não querem saber. Por isso quase ninguém se levanta. Vai daí mais uma investida dos monitores pelas aldeias, armados de espírito querrilheiro como quem vem para a todos desassossegar. Alcançado o efeito desejado tudo começa a entrar nos eixos previstos.
Objectivo conseguido, vitória alcançada. Para o lado do todos, claro.


Sou feliz mesmo que não me compreendam

Quando todos estão prontos começa a ascensão para o Santuário, para a oração da manhã subordinada ao tema: «Eu posso falar a Deus como se fala a um amigo.» E subimos.
Cá em baixo, na cozinha, ficou a Salomé e a Céu. Serão as nossas acampacozinheiras. Estamos em boas mãos e melhores corações!
Como é sabido entre os da tribo jovem o Ano Sacerdotal foi vivido com intensidade e oração pelos sacerdotes. Cada uma das nossas actividades a entregamos a um sacerdote santo que nos iluminou desde o passado e sempre rezamos por um sacerdote do presente – normalmente o pastor da localidade onde se realizava a actividade.
Vai daí o padroeiro do Acampaaki é o Pe. Pierre Berthlot – Bem-aventurado Dionísio da Natividade, carmelita e protomártir descalço. O nosso pastor por três dias foi o Frei João, por Pode não haver muita consistência, que a net já se sabe como é, mas quem garante garante e pronto. A frase inspiradora do Júnior é mesmo essa: «Sou feliz mesmo que não me compreendam.» Será o nosso lema todo o Acampaaki. quem rezámos.
Alguma luminária garante ter lido a frase em epígrafe numa de tantas biografias do Padroeiro aparecidas na net. Logo depois de subir ao monte rezamos. Depois passamos para a Universidade que fica paredes meias com o Santuário. Só há que mudar o mobiliário, digo as mantas. E a mudança tem de ser rápida porque a Marta Vieito e a Luciana Parente, Equipa Prexistências, do GAF - Gabinete Social de Atendimento à Família, de Viana do Castelo, já chegaram. Em pouco tempo foram também elas metidas no espírito acampaaki e em menos tempo ainda todos nós já estamos na Prexistências. Enquanto o sol esfrega um olho o grupo dos acampaakids fica dividido em dois, cada um entregue à maestria de uma das técnicas. Inicia-se aqui uma maratona de mais de duas horas apoiada numa adaptação do Jogo da Glória que levará a falar e a passar informação sobre dependências, drogas, prevenção, família, escola, grupos de pertença, substâncias, efeitos, ajudas, amigos e adrenalina.
Quando o jogo termina, não termina, porque dum lado e outro os miúdos querem continuar. Por fim termina e descemos mesmo a tempo de estender a toalha na mesa, colocar os pratos e almoçar.

O almoço é prolongado. Passada a hora do almoço não há tempo para descansar: as vozes erguem-se, as excitações e correrias aumentam. Há pinturas, orações e canções. É o Jogo da Caça ao Tesouro, que durou todo o tempo da digestão. Terminado o jogo alguém, perspicaz e ladino, descobre o tesouro merecido: bombons e chocolates da Sofia. Ó que bom, que rica antecâmera para a piscina.

A doce piscina foi curta. O que é bom termina rápido. É sempre curto o tempo da piscina, sobretudo se a água está quentinha. A custo os kids lá saem para uma chuveirada e preparação para o jantar.

A noite foi livre, para aliviar a pressão.
Por fim chega a hora da oração da noite, porque convém não desistir de rezar, como ensina a Mestra: «Àqueles que rezam eu gostaria de pedir que não desistam.» Terminada a oração o João Pestana desceu rápido ao Acampaaki e cobriu-o com o seu manto, pois estamos todos muito cansados.
Mas a coisa não vai ficar por aqui.

Surpresa!
Não, não fica por aqui. Os Monitores entendem fazer vigília. Não querem ser acordados por tudo e por nada, nem desrespeitados por uns pirralhos a sair da casca. Estou com eles. Um pouco antes das três da madrugada desperto e junto-me a eles. E às três em ponto acordamos todo o acampamento: Tudo fora das tendas que vamos passear! Foram obedecidos com rapidez e sem hesitações. Dez minutos depois estávamos a caminho com as faixas à volta do pescoço, mais cajado e cruz. Fomos dar uma volta pela aldeia de Deão, o suficiente para rezar o Terço que terminará no Santuário de Nossa Senhora do Acampáki. O regresso ao saco-cama será rápido, não há tempo de sono a perder.

Outro dia, terceiro dia


O dia acordou rápido, porque o Acampaaki está a terminar. Ainda há pouco nos víramos e é por essa razão que as caras estão fechadas como quem ameaça. Mas a ameaça fica só por aí. Superadas as rotinas matinais o grupo sai do acampamento em direcção à Capela de Nossa Senhor do Crasto. Nem duas horas de caminho. Afinal os acampaakids não caminham ou sobem, eles voam! Por isso em menos que nada ei-los a descansar à sombra das árvores do bosque que rodeia a Capela. Seguidamente o grupo separa-se, meninas para um lado e meninos para o outro. Abre-se o guião: as meninas lêem a biografia da Raquel, os meninos a do Ricardo. Há quem os conheça a um e a outro e a ambos. E quem não os conheça. Logo depois, até mesmo quem não os conhece escreve-lhes uma carta. Um acampaakid, uma carta.
As cartas não estão ainda acabadas quando chega o Frei João com a equipa da cozinha trazendo o merecido almoço. Espalhamo-nos pelas mesas e com ordem todos recebem um panado no pão; ou um pão com panado tal é o tamanho deste! Também há salada. Um peregrino da Senhora do Crasto almoça por ali e sem dizer água vai vai ao bar e traz uma garrafa de vinho verde branco fresco que oferece ao Frei João. Para que conste, ele não se faz rogado.
Ficou-se um pouco por ali, a deixar escorrer o tempo e o calor. Pouco tempo depois houve tempo de por os pés ao caminho e descer o monte pela outra vertente e alcançar Deão desde Deocriste.
Chegámos mesmo a tempo de preparar o Sarau da Noite e logo que possível saltamos para piscina.
E está escrito quase tudo sobre este dia, faltando, porém, o Sarau.

O Sarau
Não se pode abandonar um instante esta gente, porque te tramam logo. Ora não é que querendo abandonar o Acampaaki para ir dormir a Viana – O dia seguinte é o Dia do Senhor e há que rezar missas em tempo de férias de frades! – ia, dizia, o Frei João a abandonar o acampamento quando é delicadamente impelido a ficar. Fica. Afinal, sem saber, o sketch de cada aldeia tem por tema o Frei João e até há um que lhe quer bater. Não se sabe bem porquê, mas pronto. Quando é chamado ao palco dá-se a graça: desce convencido que vai lutar, mas quando ali chega todos fogem! O homem é mesmo um perigo!
Terminou o sarau com muita graça, a mesma com que começara e meara. O apresentador tinha muita graça. O Mimo também. Parabéns.
Cai o pano sobre o dia. Cai o pano? Não, não cai. Falta ainda dizer que os monitores dão um bónus ao pessoal: quem quiser pode ir à piscina depois da oração. Quem dormia despertou. E sobe-se ao Santuário «todos em direcção ao tesouro» da oração.
Depois que se apossam do tesouro saltam todos ao mar, digo à piscina. Alguém julgou que tinham frio? Enganou-se, se tinham ninguém o disse.
Fiéis, à hora marcada todos abandonam a piscina. Amanhã vamos levantar cedo. Esse era o compromisso.

Mais um dia, quarto dia

É Domingo. É o dia mais triste, apesar de ser dia do Senhor. A manhã é passada em limpezas e outras delicadezas, porque à tarde é preciso receber os pais e abrir as portas ao 4campaki. Rapidamente – havia por ali profissionais? – o Acampaaki ficou limpo e fresco. Passou-se à segunda fase: preparar a Eucaristia. Às 10:30 começamos uma bela e looooonga Eucaristia com cânticos e orações, partilhas e intervenções de todos.
Como é costume o Frei João falou pouco, mas falou substancialmente.
(Ai que o dia se esvai, e parece que falta o ar!)
O almoço partilhado é festivo e regado a água, a limonada e lágrimas. Quem lhes abriu as portas foi o André seguido das raparigas. Os acampaakids não comem ou pouco comem. Estão com saudades e perdem o apetite. A doença é bem conhecida e está bem documentada. Os pais comem, os monitores também e o Frei João idem. Assim é que é. Terminado o almoço há tempo para um cafezinho, um descanso e um pequeno relaxe que não pode ser muito demorado porque as tendas estão por desmontar e não tarde chega os Seniores. Ala, pois.

Pão de lágrimas
De facto os acampaakis comeram pouco, mas isso já é mais assunto de família que de Acampaaki e monitores. Todos compreendemos, enfim. Entretanto, as lágrimas muito acrescentaram a piscina e esse parece ter sido o alimento deles.
Por fim, já não há tendas na leira e as aldeias de tão desertas parecem o Portugal profundo. Os carros já roncam, mas quem é que os mete no carro. Onde estão eles? Estão junto à Capela do Menino Jesus. Choram, abraçam-se, trocam mensagens e moradas. Na verdade não sei que coisa tenha o Acampaaki que os põe assim. Até pais há com a lágrima no cantinho do olho. Talvez seja vontade de que o espírito perdure, ou a certeza do seu contrário.
A ver vamos, e que Deus nos abençoe, que sejamos felizes mesmo que não nos compreendam. Ámen. E que a Senhora do Acampaaki nos abençoe e guarde sob o seu manto.

Agradecimentos

Dizem que a regra que ora impera é a de não formatar os agradecimentos para que brotem puros e espontâneos como as águas frescas dos montes. Seja.
Aqui ficam os nossos agradecimentos aos acampaakis e aos pais, aos monitores e professores, à Ordem e ao Carmo de Viana, e a quem tudo fez para que fôssemos felizes no paraíso terreal da Quinta do Menino Jesus de Praga.
Para a Salomé e a Céu fica a fatia maior das lágrimas, orações e bênçãos. Afinal, no Acampaaki, podemos passar sem professores e sem piscina, sem orações e sem sol, mas nunca jamais passaríamos bem sem as suas sopas de cenoura e ervilhas, sem as verduras que nos tonificam e fazem crescer. Muito obrigado: para o ano podemos chorar mais, com ou sem babete?


Frei João Costa