sexta-feira, 18 de junho de 2010

CRONICAZ de uma Perigri, letra C




CAMINHO
O caminho é o que nos leva, como é óbvio. Ele já lá está quando chegamos, ele por lá fica quando o calcamos e avançamos. Nada de novo aí.
O Caminho de Aveiro, chamemos-lhe assim, é aquele que percorremos. Na grande maioria seguimos a berma da Nacional 109. Se nuns sítios ela é generosa e larga, noutros é estreita e facilita o convívio com o trânsito. O trânsito é um desafio a juntar aos desafios do caminho. Um heroísmo a juntar ao da decisão de peregrinar.
Não sei o que goste mais, se das rectas se das curvas. Se das descidas, se das subidas. Parece-me que das subidas e das rectas. As subidas são sem dúvida o melhor caminho de se fazer. Sobe-se melhor do que se desce. Mas é óbvio, depois do Barracão tanto se desce que tarde ou cedo teremos de subir. E por isso lá está a longa subida de S. Catarina para nos testar a força dos motores.
Dizem que a maior das rectas da Tocha tem 22 Km. Talvez seja. Tanta lonjura assusta: parece que nunca acaba, mas acaba. É preciso coragem e seguir em frente. O Norte ainda não tem um caminho demarcado que afaste os peregrinos das bermas das estradas. Mas já merecíamos um caminho demarcado e cuidado, que nos tirasse de tantos riscos e que nos animasse a andar ainda mais.

CAMIÕES
Os camiões são uns campeões: são os nossos com companheiros mais presentes, nunca nos largam. Já agora: Sabe o que mais faz um camionista quando conduz: fala ao telemóvel! Aquilo, de facto, parece que não é difícil de conduzir, por isso eles falam tanto ao telefone. Vai daí quando se cruzam com os peregrinos raramente se desviam. A estrada é deles, a berma é nossa. Mas é muito fácil que eles invadam o que é nosso e façam valer o estatuto. Por isso, o melhor é ir atento ao monte e à moita, porque o mais certo é termos de saltar para lá.
E quando se caminha em silêncio, concentrado, talvez até rezando, ou numa meditação qualquer quer seja, uma que seja, sobre a vida ou as árvores, ou o que seja, pronto, chega de mansinho um camião e descarrega-te uma apitadela, que, se ainda não saltaste, é desta que saltas para as silvas!
E pronto, enquanto não nos derem um caminho do peregrino como deve ser, todas as Peregris vão ser sempre difíceis e muito arriscadas.


CONDUTORES Os condutores são imprescindíveis numa peregrinação. São eles que levam os carros de apoio. Um carro de apoio faz muitas coisas: leva água, sumos e fruta, uma pequena farmácia, colchões e mochilas, guiões e prendas, chocolate, alegria e ânimo, bolachas e bolachinhas para incendiar o último sopro de caminho. Recolhe um desalentado e responde às emergências. Por isso, os condutores são um pouco de tudo: aguadeiros e enfermeiros, carregadores e animadores, vendedores de banha da cobra. Os heróis são mesmo os que carminham a pé, mas caminha-se melhor sabendo que os anjos andam por ali. Por isso, os nossos parabéns e reconhecimento ao António Branco e ao Zé Henriques! Foram inexcedíveis.



CRUZ
Cada um tem a sua e nem sempre sabe levá-la. E também há quem levando a sua leve outras. Foi o caso do Tony. Carregou a sua e carregou uma que o Carmelo de S. Teresa lhe confiou. Carregou-a de Coimbra a Aveiro, de Aveiro a Mira, de Mira a Fátima. Normalmente o lugar da Cruz é à frente, desta feita foi atrás: era como uma luz que se projectava mostrando-nos o caminho, dizendo-nos onde haveríamos de por os pés. O Tony é um atleta, e como tal coube-lhe a tarefa de fechar a procissão. Fê-lo com agrado, com dignidade e saber. Ficamos muito mais dignos com a sua vivência e atitude.
Se as cruzes falassem saberíamos o que moveu cada um, mas não falaram. Mas sabemos o que disse o Tony, que «quando carregamos as cruzes dos outros as nossas ficam muito pequeninas!» Acredito que sim, sei que sim. É uma graça poder carregar a Cruz, ainda mais se ela é dos outros.
Ressalte-se ainda a grande dignidade — que todos podemos testemunhar — na maneira como o Tony a transportou: sempre na mão direita, sempre ao alto como se fora levezinha. Tiro-lhe o chapéu!
Existem também muitas cruzes nos caminhos. Embora bem menos que no verde Minho. Algumas assinalam tragédias, outras esconjuram o mau olhado da beira da porta, outras ainda assinalam a fé do nosso povo. Hoje já quase não se erguem cruzes novas de pedra, mas as que lá estão são suficientes. Assinalam a fé, pautam a nossa marcha, recordam-nos que ou por lá passamos ou passamos por lá. É esse o nosso caminho. Assim seja, assim o faremos.