sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Notas finais da Peregriçaco

Juntos trepámos ao encontro da verdade!

As melhores notas do Carmo Jovem são as que se escrevem com os pés. Estas são as finais. Nota finais, apenas isso. Ainda assim gostamos de as fazer. São escritas à mão e com o coração.
Estas são as notas finais da Peregriçaco. A primeira ao Buçaco. A quinta da série.
A Peregriçaco tinha como tema a exclamação da Santa Madre Teresa: «Que temes? – Já alguma vez te faltei?»
Éramos vinte peregrinos, sem contar o Pastor e a Beatriz de ano e pico, que esteve sempre presente, mais ainda pouco caminha.
A Peregriçaco decorreu de 16 a 18; sexta, sábado e domingo.

Sexta 16, «Uma atalaia do mundo e sentinela do céu.»
Na Sexta foi a chegada ao Carmo de Aveiro. Chegámos a horas. Por uma vez chegámos a horas, meu Deus! Instalados na Sala dos Claustros aí nos fomos dando as boas vindas. À hora certa iniciámos a apresentação seguida da Oração de Bênção dos Peregrinos. A apresentação e a bênção permitiram situar-nos no terreno e orientar-nos espiritualmente para o Mosteiro da Santa Cruz do Buçaco, «uma atalaia do mundo e sentinela do céu». O Superior da Comunidade também participou e mui humilde recebeu guião e faixa. Sinal que foi connosco também. Apareceu também a Márcia-Mais-Valia que não nos esqueceu – pudera! – e quis rezar connosco, partilhar connosco, caminhar connosco. Uma surpresa! Que alegria ver-te, Márcia!
Lemos a apresentação do Frei João, que nos decifrou os segredos dos caminhos e das peregrinações, nos historiou o Buçaco e mais uma vez ali nos recentrou. De facto, é difícil resistir a caminhos assim, a caminhos visíveis e reconhecíveis que nos levam a um pedacinho do Paraíso, onde se gosta de estar.
Depois da oração esperava-nos um chá, que todos tomámos gostosamente. Logo depois esperavam-nos as camas fofas ou o chão duro, conforme os gostos.
A noite foi calma. O acordar também.



Sábado 17, «Caminhavam confiados animosamente.»
Sim, o acordar foi fácil. E não demasiado cedo. Porém, às oito horas já caminhávamos a bom ritmo. O Pastor ia ao volante da carrinha de apoio, o sr. Branco no carro. Fomos do Carmo à Forca, da Forca ao Pavilhão das Feiras, daqui ao Carmelo de Cristo Redentor. Na pequenina capelinha rezava-se a Santa Eucaristia. E nós rezámos então, calmamente e à sombra da Cruz, a Oração de Laudes. Depois batemos o batente, as Irmãs abriram, fomos ao locutório, apresentamo-nos, sorrimos, elas cantaram e nós saímos.
Posto que o caminho é melhor que as paragens, eis-nos novamente a caminho. Agora sem vacilar, sem parar. São Bernardo, Costa do Valado, Oliveirinha, Mamodeiro, Oiã – Parque do Vieiro. Foi aqui que parámos. A nossa espera devia estar a Dª Carlinda e o Bruno, mas não houve azar. Era ainda muito cedo, pois caminháramos mui animosamente! E por isso havia que esperar. E esperamos, que o reino dos peregrinos é a Esperança. O lugar era muito ameno, recolhido, sereno. Sereno, bem, não era bem sereno, mas em Portugal não se sabe viver sem aquela música que é barulho até para as pedras! Mas passou-se bem.
Entretanto fomos calculando forças e distâncias, cansaços e mazelas. E petiscando. Sim, petiscando: um menino (ou seria menina?) trouxera pão, outra, uma bola de carne, outro, água e outra, sumos. Estava feita a festa. Estávamos prontos para o caminho. Mas, calma aí ó pessoal!, que ali vem a Dª Carlinda com um grande tacho de sopa enriquecida com umas lascas grossas de galinha, com pratos, talher, copo e guardanapo, com fruta e uma compota de estalo.
Ora, ‘bora lá, fazer as honras ao trabalho e a tanta bondade!
E depois de tudo isto o que cai bem? Em Espanha, faríamos uma sesta! Em Portugal bebe-se um café! Vai daí uns encafuaram-se nas mantas e adormeceram e roncaram! – Não é verdade, Maria João? Outros fizeram-se ao café e navegaram na espuma cremosa duma chávena.
O que sei é que uns ficaram bem e os outros também.
Sexta, parte dois. A parte da tarde ficou assim combinada: aprochegarmo-nos aos Bombeiros de Oliveira do Bairro que nos prometeram chão doce para dormir, e se as forças chegarem caminhar até ao IC2. Seria de valor! E foi!
Foi muito fácil chegar a Oliveira. E até passá-la. Mas aquela subida, aquela subida, Senhor! Aquela subida lá se fez, claro. Mas as obras paradas e a estrutura em maquedame não facilitou. Mas venceram-se, embora alguns merecem-se um banhito e ficar a descansar. Mas ninguém ficou. Em Oliveira medimos bem a extensão das nossas forças. É mesmo para continuar, sentenciámos. E foi. A partir dali rezámos o terço e o tempo nem custou a passar.
– A menina porque leva uma cruz?
– Porque vamos em peregrinação?
– Mas Fátima não é para aí…
– Nós vamos para o Buçaco!
– Ãhn?
– É verdade. Há quase quatrocentos anos passaram por aqui os Frades Carmelitas e foram à Serra do Buçaco fundar um mosteiro.
– Ãhn?
– Olhe, tenho de ir que me doem os pés e os meus colegas já se afastaram muito.
– Olhe, Deus a acompanhe! Vou rezar por vocês.
– Muito obrigada.
Depois de Oliveira apanha-se a Rua Dois que é a N325 e atravessa-se Sangalhos até pararmos na Nacional Um ou IC2. Tinham passado 7,5km de tarde. Valera bem a pena. Havia gente a queixar-se de bolhas, mas havia também quem continuasse a caminhar. Mas o que é demais é moléstia. E mais não se caminhou.
Regressamos a Oliveira e aos Bombeiros Voluntários. Ali abriram-nos as portas, deram-nos um chão novo e nobre e água quente para o banho. Na Sala dos Troféus dispuseram uma mesa e jantámos da prodigalidade da Dª Caralinda. (Agora tem um ‘a’ a mais mas porque corresponde melhor à realidade.)
Enquanto não jantamos chegou o Miguel e a Maria que levariam a Mais Valia. – Oh, Maria que grande que estavas! Pudera! Com uns pais assim!
O jantar foi soberbo e até teve vinho, porque bons apreciadores do produto também os havia.
Depois do ameno repasto e das despedidas fomos para o enorme salão de actos. Já com os pés cuidados e os corpos consolados, agora sim, agora é que se podia rezar bem. E bem se rezou a Oração de Vésperas. Afinal tínhamos chegado, estava cumprida meia peregrinação, tínhamos caminhado confiada e animosamente.
O sono foi largo e retemperador. Ninguém acordou com olheiras.





Domingo 18, (Carminhar) «para um mundo às avessas e um céu às direitas.»
Acorda-se bem em Oliveira do Bairro. Ninguém teve queixas do frio, do chão, das conversas dos piquetes, dos roncos, dos assobios. Malta, que querem, isto é uma peregrinação do Carmo Jovem! Aqui cama sabe a soalho, mas que querem Peregri não é um cruzeiro pelo Mediterrâneo!
Tudo foi feito tão a horas que saímos com cinco minutos de atraso! Em Portugal é obra! E nem nós somos perfeitos! A Lena Brito sugere então um pequeno almoço achocolatado, mas a Leitaria lá do sítio propunha Pequeno Almoço Sem Chocolate! Marketing!
Depois do IC2 apanhámos uma estrada larga, larguíssima, que convida a caminhar. Mas primeiro aquecemos os músculos da alma e do corpo. Da alma tanto bastou seguir o guião, qual bordão espiritual sempre disponível e sempre bem feito. Depois o Caramez aqueceu-nos com uns exercícios ligeiros que logo interrompeu para não rasgar.
A manhã caminhava fresca, amena. E nós também. Não havia muito sol, mas apenas sol. Os campos com milho e as vinhas vestidas de Outono pintavam as veigas de delícias e suavidades.
Se em Alfeolas a estrada é monumental, em Monsarros é um labirinto. Mas ainda ninguém sabe o que nos espera. Depois do labirinto começa a subir uma subida, primeiro teste de resistência. Mas o Marco Motorzinho nem dá por isso. Para ele subir ou descer é igual, o que é uma pena. Porque não sabe o que sofrem os mortais como nós.
A subida de Monsarros deixou-nos na Várzea, uma bela veiga que corre abraçada a uma ribeirinha que não tivemos tempo de namorar e a deixamos sem saber o nome.
Depois da Várzea o caminho sobe muito ou muitíssimo. O Marco preferiu o muito e caminhou mais, atravessou o Luso e entrou no Buçaco pelas Portas de Coimbra os restantes preferiram subir muitíssimo, o caminho foi mais curto, evitaram a feira do Luso e entraram pelas Portas de Sula. Resultado: se estava previsto que entrássemos todos com a t-shirt da Peregriçaco não entrámos. Mas também não houve mal.
Poucos minutos depois estávamos na Portaria do Mosteiro.
Foi um pouco ao lado da Portaria, num recanto, que acabamos vestindo a camisola. Estávamos giros, lindos, uma beleza! – Finalmente o Carmo Jovem veste uma t-shirt castanha! É de valor! Sim era bem linda a t-shirt e com boa mensagem. Obrigado, Tiago. (Se alguém quiser que diga, pois sobraram algumas!)
Finalmente entrámos. Aquilo é outro mundo! As lajes são antigas, desenquadradas, sobressaltadas. As portas das celas são pequeninas. O tecto das galerias dos claustros baixinhas. Olha-se e apetece chorar. Falar não, que parece que ofende. O primeiro a fazer foi dar a volta ao claustro, como numa procissão. Depois, depois, ala que se faz tarde! Só nos deram uma hora para a Missa (A hora em que o monumento fica fechado ao público) e o Frei João precisa de pelo menos 90 minutos! Entrámos então na capela, nas capelinhas, e abrimos os olhos e a alma. Sim, este lugar é belo, modesto e austero. Aqui apetece chegar, aqui apetece repousar, aqui apetece ficar. Chegar a um lugar assim cura, lava a alma. Logo depois a Missa começa solene e segue solene, mesmo se o Presidente da celebração nos dá na cabeça. A homilia foi uma conversa partilhada, mas a conversa que o Frei João não dispensa. Mas não há mal, porque aqui tá-se bem mesmo que o Frei João muito fale! Quando partilhamos do Pão e do Cálice já há muito tínhamos rebentado com o tempo, porém quedamo-nos ledos, quedos e calmos. Serenos, em oração, em acção de graças.
Os turistas começam a entrar: já tínhamos rebentado com os 90 minutos! Afinal eram as senhoras da Fundação da Mata do Buçaco. Vieram ver-nos, estavam curiosas com o nosso silêncio e a nossa demora. Termina então a Missa e com elas partilhamos as prendas que trazemos: compota, sal, canastrinhas, o nosso sorriso e a boa disposição de estarmos num lugar que nos fala, que sentimos nosso.
Saímos. Fomos para outra mesa. A Mesa que a Dª Caralinda e o Bruno nos prepararam e ofereceram. Ó maravilha! Uma mesa reconforto a alma, a outra o corpo. E um sem a outra não anda bem. E versa vice.
Seguiu-se então o que no dia anterior sucedera: sesta para os espanhóis, café para os tugas. No fim, houve tempo ainda para plantar dois pequenos ciprestes. Foi junto duma fonte nas redondezas da Estação da Agonia do Senhor no Horto. A plantação não foi muito solene, porque a enxada deslizava, voava, ria-se de nós. Mas valeu a intenção: foi isso que fizeram os nossos antepassados quando plantaram este pedaço de Paraíso. Na intenção não lhes ficámos atrás. É certo que o plantio foi selvagem e sem autorização, porém se os pequenos cupressos pegarem será mesmo por terem sido plantados por mãos carmelitas e regados pela boa intenções dos jovens do Movimento!
A ver vamos.
Recolhemos entretanto aos carros e subimos à Cruz Alta. Fizemos ali um pacto que só ali se podia poder: Se Deus quiser havemos de voltar, nem que seja para regar os cupressos!
E o resto foi o regresso. E o regresso não tem mais história que a pouca vontade de cair na real. Porém, fomos caindo, caindo, caindo até chegar a casa. Até amanhã, dissemo-nos. Até que amanhã os nossos passos se alinhem de novo num qualquer caminho da vida. Entretanto, alguém descaindo-se confidenciava: – Estou grato a quem me aliciou a peregrinar a pé ao Buçaco! Vendo estas maravilhas sinto-me mais português! Aqui bebe-se portugalidade!
Para mim fui dizendo-me, caladamente: Sim! Aqui há verdade! Quem é que subindo aqui não se sente depois mais carmelita? Mais grato à história e às raízes da fé que nos ligam?
Por isso obrigado a quem sonhou o Buçaco e o semeou!
Obrigado a quem o regou e dele cuidou!
Obrigado a quem sua para o reerguer.
Obrigado, Gotinhas, por terdes ido beber da água fresca do Buçaco!
Obrigado aos que, juntos, ali trepámos ao encontro da verdade, seja de Portugal, da fé ou da história.